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Pandemia: a hora errada para cortar investimentos em comunicação

Patrícia Gil
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Ao fazerem a conta simples entre receita e despesa em um contexto de inusitada complexidade, empresas estão optando por ficar à mercê de informações desqualificadas e de cair no esquecimento quando a tempestade passar

Antes de completarmos um mês desde que a Organização Mundial de Saúde alterou o status da emergência do coronavírus para pandemia (no último dia 11 de março), agências de comunicação perdem contratos e demitem profissionais porque muitas marcas decretaram uma quarentena de prazo indeterminado nos investimentos em suas marcas.

Pois elas erram feio na substância e no momento dessa decisão. Ao fazerem a conta simples entre receita e despesa em um contexto de inusitada complexidade, estas empresas estão optando por ficar à mercê de informações desqualificadas (as tais fake news) e de cair no esquecimento quando a tempestade passar (porque, de alguma forma, ela vai passar). Enquanto isso, há marcas concorrentes fazendo a lição de casa para garantir um lugar positivo na história dessa crise. É com elas que podemos aprender.

Segundo a recém-divulgada Pesquisa Global Sobre Crises 2019, produzida pela PwC com 2.084 executivos de 43 países, cerca de 70% dos respondentes afirmaram ter passado por pelo menos uma crise nos últimos cinco anos. Pouco mais da metade das 4.515 crises investigadas pela consultoria tiveram origem operacional. Muitas empresas venceram a adversidade e seguiram com marcas mais fortes do que antes. Como? A PwC apresentou quatro principais fatores explicativos:

Lição nº 1: Elas alocaram orçamento específico (em vez de cortar) para enfrentar a crise;

Lição nº 2: Elas construíram um plano;

Lição nº 3: Elas atuaram como um time;

Lição nº 4: Elas adotaram uma abordagem de explicação à sociedade.

O investimento em comunicação foi fundamental principalmente para definir o melhor dado a ser informado pela organização e, obviamente, para garantir estratégias eficazes para levar a informação a todos os públicos. Por “todos”, entende-se não só imprensa, investidores ou funcionários, geralmente os mais lembrados nas horas difíceis, mas também consumidores, governo, agentes reguladores, fornecedores, parceiros de negócios, academia, comunidades e influenciadores.

Mas será que tais orientações podem ser aplicadas sobre uma crise tão inusitada, global e devastadora como a da Covid-19 (em que a origem não está dentro da empresa, mas está lá fora, espalhando-se de forma invisível e pelos quatro cantos do planeta)?

A resposta é sim.

No Brasil, os exemplos que já prometem estar entre os mais lembrados por uma reação inovadora e positiva à crise são as de campanhas publicitárias lançadas no momento oportuno. Nessa lista, está a decisão do Mercado Livre em trocar o aperto de mãos de sua logomarca por um “encontro de cotovelos”, como sugerem as boas práticas contra a contaminação pelo vírus.

Em direção semelhante, o Santander não pisou no freio da sua campanha com funcionários que orientam sobre educação financeira. Ao contrário, seguiu em tom e linguagem semelhantes com novas peças para TV alinhadas em torno da ideia de “acolhimento”. Um dos primeiros vídeos explica a substituição do toque de mãos pelo cumprimento à distância, com os funcionários cruzando as mãos na altura do coração “em sinal de respeito” e garantia de confiança aos clientes. Daí em diante, várias decisões, produtos e medidas de facilitação financeira estão sendo anunciadas.

Unidas em um pool, marcas como 99, Youse, OLX, Havaianas e Alelo usaram suas redes sociais para disseminar a #DistânciaSalva com orientações sobre prevenção. Em muitos desses casos, as empresas não sofrem diretamente uma crise de imagem, mas a omissão diante da evidente catástrofe sofrida pela humanidade significaria a despreocupação com seus públicos. O silêncio absoluto não é sinal de luto, é a prova de que a marca se recusa a se compadecer dos temores e das perdas. Negam, assim, boa parte dos valores que tentam propagar.

Mas isso não significa reinventar a operação e apenas anunciar ao consumidor novas formas de comprar on-line. Encontrar o equilíbrio no discurso de autopromoção e de solidariedade não é tarefa para amadores. Os profissionais de comunicação são imprescindíveis para definir as mensagens corretas e a forma de levá-las até seus stakeholders. Muitas vezes, a mensagem é uma atitude. Um exemplo foi o da CVC, maior operadora brasileira de turismo, que criou e pôs em ação um plano para trazer de volta ao Brasil cerca de 25 mil passageiros que estavam no exterior. A operação envolveu cerca de 6 mil vendedores e funcionários de outros departamentos porque a empresa compreendeu a importância do contato pessoal com esses clientes – em vez dos atendentes telefônicos. Resolvida a emergência, ela lançou a campanha “Fique em Casa, Viaje Depois”.

Mas por trás de toda campanha, há um conjunto de ações de comunicação necessárias para dar visibilidade ao marketing de causas, mesmo fora do ambiente publicitário. Muitas empresas que ajustaram sua operação para produzir álcool gel ou equipamentos de proteção para equipes de saúde, por exemplo, recorreram à divulgação de mídia espontânea para reforçar seus valores e atributos. E há ainda táticas tão silenciosas quanto fundamentais para suprir as organizações de informações e capacidade decisória. Agências auxiliam as empresas a monitorar sua imagem – ajudando-as inclusive a se proteger contra as fake news.

Romper com os investimentos em comunicação neste contexto é atentar contra a marca.  Ajustes, sim, podem ser necessários para a imensa maioria das organizações. Contratos devem ser negociados. Mas jogar a toalha, agora, é antecipar o fim do jogo.

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Patrícia Gil

Professora nos curso de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da ESPM-SP. Doutora em Ciências da Comunicação.