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Como a tecnologia transformou a relação entre músicos e empresários

Diego Santos Vieira de Jesus
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Saem as revistas especializadas, entram os blogs. Desaparecem os meios físicos onde imperam o streaming e as redes sociais. E como ficou a relação dos artistas com seus empresários? Essa é a principal pergunta que uma dissertação de mestrado da ESPM-Rio buscou responder

Em um cenário de mudanças tecnológicas avassaladoras, a indústria fonográfica precisou se reinventar para evitar seu desaparecimento. Mas depois de um momento conturbado, do qual a música parece ter saído fortalecida, restou uma pergunta: qual o papel do empresário artístico na gestão de carreiras musicais em um contexto de total transformação digital da indústria da música no Brasil?

Essa é a matéria-prima básica da dissertação de Anita Carvalho, dentro do programa de Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa (MPGEC) da ESPM-Rio, intitulada “O papel do empresário artístico na gestão de carreiras musicais após a transformação digital da indústria da música”, com orientação do professor João Luiz de Figueiredo.

CENÁRIO DE DISRUPÇÃO

A tecnologia trouxe diversas transformações à indústria da música (e quase a levou à extinção em vários aspectos), da forma como a música é produzida, distribuída, promovida, comercializada e monetizada até a maneira como artistas se relacionam com seus fãs. Resumindo: a desconstrução dessa indústria permitiu a democratização de todas essas etapas. Veja algumas provas disso:

– Meios físicos perderam força e o consumo de música migrou para plataformas digitais de streaming, como o Spotify e o Deezer, que oferecem milhões de músicas a qualquer hora – e até de graça;

– revistas especializadas perderam espaço para blogs, que se mostraram mais capazes de antecipar tendências musicais;

– bandas conseguiram fazer sucesso movidas pela veiculação de suas músicas na web, sem gravadoras ou sequer um CD gravado;

– redes sociais como o Facebook e o Twitter abrigam comunidades que permitem a divulgação de áudios pela internet e a projeção de novos artistas;

– o Youtube tornou-se uma plataforma de broadcasting, possibilitando que público e artistas gerem e repercutam conteúdo;

– pelas redes e mídias sociais, os fãs falam diretamente com os ídolos e debatem suas vidas fora dos palcos;

– a transformação digital viabilizou a democratização da produção – antes uma exclusividade das gravadoras.

Considerando-se, ainda, que as lojas tinham espaço limitado, a exposição do catálogo era sempre concorrida. O digital permitiu distribuição ilimitada, tornando uma música ou álbum disponível ao mundo inteiro simultaneamente e imediatamente após o lançamento. Isso sem falar do custo de fabricação e estoque, que correspondia a cerca de 30% do produto final.

E o empresário em meio ao tsunami?

Para não sucumbir juntamente com a indústria, o empresário do setor musical precisou sair de um papel passivo, de “representante” do artista, para se tornar peça fundamental na sua existência. E, para isso, teve de se reinventar: dominar competências de administração, marketing e finanças, atuar como gestor responsável pelo planejamento estratégico da carreira do artista, e até conhecer aspectos que antes não existiam, como o streaming e as redes sociais. Além disso, cabe a esse profissional realizar tarefas como a elaboração dos produtos fonográficos, a seleção de contratantes e a realização de pagamentos e cobrança, por exemplo. Surgiu um novo empresário empreendedor, com mais iniciativa e que “não podia esperar a gravadora”.

Para Paula Lavigne, produtora e empresária, entre outros, de Caetano Veloso, “antigamente o empresário assinava o contrato com a gravadora, que era responsável por todo o marketing do artista”. Para mostrar como isso mudou, ela pontua: “Hoje, essa tarefa passou a ser atribuição do empresário em face da queda do poder de investimento das gravadoras. O empresário tem que entender de mais áreas, como a jurídica”. O executivo Alexandre Wesley complementa esse raciocínio, afirmando que, com a migração do físico para o digital, as gravadoras precisaram concentrar seus esforços nos produtos com mais expectativa de retorno, em uma “lógica darwiniana na qual só os fortes sobrevivem”.

PRINCIPAIS DADOS LEVANTADOS

Venda de shows é a principal receita dos escritórios de empresariamento.

Entre artistas empresariados, a receita de shows representa 90% de seus vencimentos.

Para artistas auto-empresariados, o número é de apenas 53%.

Impera a informalidade na relação com os artistas: 33% dos empresários não possuem contratos com seus artistas.

No universo de 600 artistas pesquisados, são realizados cerca de 40.000 shows profissionais por ano no Brasil.

3,33 shows por mês é a média para artistas sem empresários – e o número sobe para 6,76 para os empresariados. 

A música movimenta R$ 1,75 bi ao ano, dos quais o universo dos 600 artistas estudado representa  R$ 372 milhões, com cachê médio de R$ 42.887,00 por show.

O faturamento médio mensal dos artistas empresariados é de R$ 10.833,33, enquanto o dos independentes chega a R$ 32.355,17. 

R$ 370.625,00 é o faturamento mensal dos escritórios de empresariamento. 

80% dos artistas estão satisfeitos com seus empresários, enquanto 82% dos empresários estão felizes com seus artistas.

“Abrir novos mercados” é a maior expectativa tanto de artistas quanto de empresários musicais: 29,59% e 32,65%, respectivamente.

COMO FOI FEITA A PESQUISA

Duas etapas:

Na primeira, quantitativa, 100 empresários responderam a um questionário. 63% deles declararam ter nível superior – com destaque Publicidade e Propaganda (23%). Representantes de 258 artistas declararam realizar, juntos, 1.461 shows por mês, uma média de 5,6 por artista.

Na segunda etapa, qualitativa, foram realizadas entrevistas em profundidade com empresários e profissionais do mercado.

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Diego Santos Vieira de Jesus

É docente e pesquisador do Programa de Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa (MPGEC) e coordenador do Laboratório de Cidades Criativas da ESPM-Rio.