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O que frustra os candidatos nos processos seletivos

Isabela Moreira
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Automatização de plataformas de recrutamento e falta de feedback estão entre as reclamações de quem participa de processos seletivos de trabalho

O processo seletivo é uma fonte de empolgação e angústia para quem está em busca de uma nova oportunidade de trabalho. Apesar de, segundo o IBGE, em 2024, o Brasil ter encerrado o ano com a menor taxa média de desemprego desde 2012, ainda há milhões de brasileiros à procura de uma vaga para chamar de sua.

A demanda por empregos é maior do que a oferta, sobrecarregando recrutadores e setores de Recursos Humanos no desenvolvimento de processos seletivos e gerando frustrações nos candidatos. Confira abaixo o que pessoas dos dois lados da moeda têm a dizer sobre esse momento atual.

Automatização dos processos seletivos

Desde 2024, a professora de Língua Portuguesa Mariana Sampaio, do Rio de Janeiro, faz uma busca ativa por vagas de emprego em sua área de atuação. “Acompanho diariamente sites de vagas, plataformas especializadas na área da educação e concursos, além de manter contato com colegas e ex-alunos que podem indicar oportunidades”, relata. 

Especialista em preparação para vestibulares e concursos, ela utiliza tecnologias educacionais para potencializar o aprendizado, explorando plataformas digitais, gamificação e ferramentas que tornam o ensino mais dinâmico e acessível.

Mesmo com tantas qualificações, a professora considera a experiência com plataformas de recrutamento “um grande exercício de paciência”. “Embora a proposta seja otimizar o recrutamento, na prática, os processos se tornaram frios, desumanizados e, em muitos casos, ineficientes”, aponta Sampaio.

“O candidato responde inúmeros questionários, faz testes de lógica e preenche formulários intermináveis, mas, muitas vezes, nunca chega a ser avaliado por um recrutador real”, reflete ela. “Parece que as plataformas servem mais para eliminar pessoas do que para encontrar bons profissionais.”

Michele Fraga Spadini, de São Paulo, compartilha esse sentimento. Atualmente, ela faz a transição do setor de atendimento ao cliente para a área de UX Writing, com foco no desenvolvimento de chatbots. Mas, na urgência em encontrar uma nova posição, também tem se candidatado para vagas em call centers, experiência do consumidor (CX) e suporte técnico.

Essa busca tem sido frustrante e cansativa para Spadini, que acredita que a automatização das plataformas de recrutamento e os requisitos para os candidatos devem melhorar para tornar os processos seletivos mais igualitários e simples. Ela dá como exemplo “o infindável número de testes solicitados para vagas simples em call centers”, mesmo que já tenha bastante experiência no setor. 

Recrutamento humanizado

“O recrutamento precisa ser mais humanizado”, reforça Sampaio. “Com a automatização excessiva, muitos profissionais altamente qualificados acabam sendo eliminados por filtros rígidos ou testes pouco relevantes para a função. Um processo seletivo eficiente deve focar nas competências reais do candidato, não apenas em respostas padronizadas.”

Joyce Ajuz Coelho, professora na Pós-Graduação da ESPM e consultora de Recursos Humanos, ressalta a realidade atual do setor de recrutamento: “No Brasil, já estamos há algum tempo com uma demanda [por emprego] muito maior do que a oferta”.

“Quase todas as empresas também reduziram os seus quadros. Não há muitas pessoas trabalhando na área de recursos humanos para dar o atendimento necessário e merecido a todos os candidatos.”

De acordo com a consultora de RH, um filtro inicial pode ajudar bastante os recrutadores no processo seletivo — e esse é o serviço oferecido por várias plataformas de recrutamento. “Essas empresas ajudam muito nesse primeiro filtro, sendo bem feito, já colocando as principais condições, acho extremamente válido”, explica.

Um fator a ser levado em consideração é a forma que a empresa contrata essas plataformas. “Tem empresas que não fazem um pacote personalizado e pegam o básico, aplicam para qualquer coisa”, explica. “Aí, realmente, concordo que pode ser que estejam inadequados para todas as vagas.”

Feedback

As reclamações dos candidatos vão além do momento da inscrição na vaga: a falta de transparência durante o processo seletivo está entre as principais questões levantadas. Das mais de 60 vagas nas quais se inscreveu nos últimos três meses, Michele Fraga Spadini foi selecionada para quatro entrevistas, recebendo feedback de apenas uma delas.

“Ter um retorno automático sobre processos pausados, cancelados e reprovações seria essencial para não ficarmos aguardando uma resposta ou convite que nunca chegará, evitando frustrações”, afirma ela.

“O feedback é um fator essencial”, concorda Mariana Sampaio. “Mesmo que o candidato não seja selecionado, um simples e-mail informando o desfecho do processo já seria suficiente para que ele pudesse seguir adiante sem incertezas.”

Para Joyce Ajuz Coelho, o ideal é os candidatos sempre receberem feedbacks: “Tem empresas que pedem apresentações em PowerPoint, outras pedem para [o candidato] solucionar cases, fazer testes online. No momento em que houve um contato da empresa com o candidato, o retorno deve sempre acontecer”.

Experiência inicial

Os processos seletivos são ainda mais complicados para jovens recém-formados que, na busca por uma oportunidade no mercado de trabalho, se deparam com um dilema: a maioria das empresas pede experiência na área mesmo para cargos iniciantes, dificilmente se abrindo para que o candidato tenha essa primeira experiência.  

É o caso de Jordana Reis*, do Maranhão, cuja bagagem profissional vem dos estágios que fez durante a graduação em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia: “Acaba que foi pouco tempo de estágio e [os recrutadores] não parecem levar muito em consideração”. 

Em suas buscas, Sampaio já se deparou com vagas que tinham exigências “que beiram ao absurdo”. “Uma das mais curiosas foi uma vaga de professor júnior que exigia ‘mínimo de cinco anos de experiência docente’”. relembra. “O próprio conceito de ‘júnior’ contradiz esse requisito, o que mostra um total desalinhamento entre a descrição da vaga e a realidade do mercado.”

Segundo a professora de Língua Portuguesa, tratam-se de exigências que podem acabar afastando bons candidatos e prejudicando as próprias empresas: “Outro exemplo foram vagas que listavam tantas habilidades e certificações obrigatórias que pareciam procurar um ‘profissional dos sonhos’ impossível de encontrar”.

Testes do processo seletivo

Reis entra diariamente no Linkedin e outras plataformas de recrutamento em busca de oportunidades, se inscrevendo em cerca de 100 vagas por mês. “É uma rotina cansativa”, confessa. A quantidade de perguntas e testes que esses sites pedem contribuem para esse desgaste. 

“Acho que seria mais bacana ter uma ou duas entrevistas, ou mesmo um formulário”, sugere a jovem em relação à estrutura dos processos seletivos. “Eu preferia responder um formulário com umas 20 perguntas do que fazer aqueles testes de raciocínio.”

“Muitas vezes o candidato não entende se o teste tem a ver ou não com a vaga. Raciocínio lógico, raciocínio numérico, a parte de pensamento, a parte de linguagem, eu, sinceramente, acho super válido”, diz Joyce Ajuz Coelho.

“Hoje temos visto muito nas entrevistas candidatos sem condições de interpretarem uma pergunta e a responderem, terem uma determinada iniciativa. Se você estabelece um tempo para fazer isso, pode avaliar o cumprimento de prazo, se o raciocínio é mais rápido ou mais lento.”

A professora da ESPM revela ainda o poder que uma redação pode ter. “Sempre adorei redação, porque é onde eu vejo se a pessoa tem um raciocínio lógico, se sabe início, meio e fim.” 

*A entrevistada pediu para não ter seu nome revelado na reportagem.

Isabela Moreira

Repórter do Trendings

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