Desde o início da pandemia, o Brasil registra média móvel de 1.068 mortes diárias por Covid-19 (dado de 28/01, G1), a maior marca desde julho, e já contabiliza 9.119.477 casos e 222.775 óbitos de acordo com o balanço do consórcio de veículos de imprensa. Só a existência de um “consórcio independente das fontes oficiais” já demonstra um grande problema que o País enfrenta: o ruído de informações diante de uma crise que não é apenas sanitária, mas econômica, governamental e institucional em relação à doença e, mais recentemente, em torno da vacina.
Quando há uma política estabelecida e estruturada, as instituições se organizam naturalmente em torno dela. Se isso não acontece, cada grupo cria ou estimula sua própria política. No caso da vacina, o problema é ter várias acontecendo de forma simultânea e não convergentes — a do governo federal, as dos governos estaduais, a da OMS, a da sociedade civil. “Isso só gera uma grande desinformação, fazendo com que as pessoas busquem uma que possa ser mais aderente”, explica Rodrigo Valente, professor da graduação e pós da ESPM-Sul. “A esse cenário soma-se outro grave problema, o das fake news. Essa guerra entre políticas independentes nos ambientes digitais e nas redes sociais afeta diretamente a crise sanitária, porque hoje, de forma bem pragmática, a população em geral não sabe se a vacina é segura ou não.”
Para o professor Valente, é preciso analisar a questão do novo tratamento nos aspectos históricos, culturais, científicos e políticos. No primeiro, é uma vacina que até pouco tempo não existia e, portanto, ainda não há uma série histórica sobre ela, mas já são reais os registros recentes dos testes e, agora, das aplicações. Culturalmente, deve-se, sim, tomar a vacina porque ela é fundamental para que as pessoas tenham uma vida mais longeva e livre de doenças. “Porém, bem antes da Covid-19, o mundo já vinha passando por uma revisão ideológica sobre a eficácia das vacinas. O negacionismo já existia em diferentes lugares e não só em pautas conservadoras”, explica.
Do ponto de vista científico e pela urgência do tema, os pesquisadores estão “acelerando” as metodologias. Ao longo da história, uma vacina precisa passar por inúmeros testes e protocolos para chegar a uma condição segura para a população. “No entanto, agora todos entendem que, para atender a esses protocolos, muito mais pessoas morreriam. Então, assistimos também a uma mudança de paradigma no campo científico, com vários processos simultâneos para produzir uma vacina segura em menos tempo”, analisa.
Outro contexto inédito na história recente é que a vacina passou a ser uma questão política, indo para instâncias partidárias. “É comum ver as instituições atuando em lados opostos, permeando a bandeira dos partidos, com um bloco pensando de um jeito e outro de forma oposta.”
Para lidar com as diferentes vertentes desse assunto, o professor Valente cita a importância da comunicação integrada, um conjunto de ferramentas que ajuda a traçar uma estratégia igualmente complexa para atuar nesses ambientes (institucional, administrativo, mercadológico).
O ideal seria uma campanha assinada por órgãos competentes, com o objetivo para transmitir a segurança necessária para a população diante do cenário de guerra político-ideológica em que o País vive. No entanto, como não há um órgão elegível pelo governo que transmita um discurso alinhado, onde existe um jogo político, a população não sabe qual fonte é confiável porque as instituições estão sendo questionadas. “Hoje o Ministério da Saúde diz uma coisa e a Anvisa, outra. Isso gera muita dúvida na população e a estratégia administrativa porque ela tem que ser legitimada por grupos que tenham autoridade para falar sobre esse assunto”, avalia o professor.
Atualmente, o País não possui nenhuma ponte de autoridade para coordenar as estratégias de comunicação na esfera governamental. Se antes isso acontecia de forma natural e automática, agora os grupos são completamente divididos, com cada um tentando pregar o seu posicionamento (“verdade”). Dessa maneira, são válidas as iniciativas promovidas pela sociedade civil, desde que composta por instituições com legitimidade para falar sobre esse assunto com propriedade e autoridade. “Temos que trazer as narrativas das universidades, hospitais, áreas de pesquisa, comunidade científica e imprensa de forma muito bem construída para que esse bloco possa fazer uma campanha de uma única voz”, explica Valente.
O especialista reforça que da mesma maneira a imprensa se reuniu para revelar os números. “Não só funcionou, mas se tornou algo histórico para trazer a realidade da pandemia. Os veículos entenderam que, em vez da concorrência, seria mais interessante a união para entregar uma única informação, segura e relevante para toda a sociedade”, acrescenta. No dia 29 de janeiro, o consórcio formado por Folha, UOL, O Estado de S. Paulo, O Globo, G1 e Extra lançou uma campanha que busca incentivar a vacinação contra a Covid-19.
Em outra realidade, o Governo elegeria, por exemplo, a Anvisa para trazer informações sobre o comportamento da vacina na população, enquanto o Ministério da Saúde explicaria a logística de quando, como a vacina estará disponível e a que grupos ela vai se destinar. “Com essa determinação, a população entenderia os conteúdos apresentados por cada um dos órgãos.”
Além disso, diante da ausência de informações oficiais e corretas, todos os canais passaram a ser “fontes”, como os grupos de WhatsApp já conhecidos pela divulgação de fake news e outros que se aproveitam desse conflito para aplicar golpes por meio do roubo de dados (com links para “cadastros” que levam a sites criminosos).
Os exemplos da vacinação também estão pulverizados nos Estados por meio de uma guerra de narrativas (quem vai vacinar primeiro, a minha vacina é mais segura e eficaz etc.), com o Governo Federal deslegitimando todas essas ações com fins políticos (e não sociais) porque o não é uma “vacinação oficial”. “É o momento de somar narrativas e testemunhos para as pessoas verem o quanto vidas já estão sendo transformadas no meio da pandemia”, reforça Valente.
Além disso, como dito no início do texto, a imprensa assumiu um novo papel, com os veículos se reunindo para divulgar de forma cooperada as informações e estatísticas da pandemia no Brasil — algo que o Governo deveria estar fazendo por meio de uma estratégia administrativa. “Tem sido necessária uma soma de esforços para criar uma imagem institucional para vacina, que dê credibilidade a ela, ao lado de uma estratégia administrativa que traga dados, números, informações de como é o processo, quais são os efeitos essa vacinação, ao lado de uma estratégia mercadológica que diga objetivamente para as pessoas como elas devem fazer para se vacinar.”
De acordo com o professor, a estratégia de uma campanha liderada pela sociedade civil tem força e relevância para estabelecer um patamar de segurança para que a informação chegue a todos os públicos. Porém, ela já nasce tendo que lidar com outros discursos de autoridade que deverão “atrapalhar”, sendo questionada por grupos ideológicos e não ser reconhecida como legítima pelo Governo Federal. “Ao ser desenhada, a campanha, já ciente desse clima, tem que trazer a informação ainda mais fortalecida, com dados, estudos e fontes seguras não só do País, mas de instituições internacionais. Tudo isso para mostrar que não se trata de política, mas sim de uma solução para uma crise sanitária que afeta o mundo inteiro”, revela Valente.
O passado nos traz exemplos interessantes das quebras de paradigma da sociedade por meio de campanhas. Relembre algumas delas: