A poucos meses das eleições, o brasileiro — que já está lidando há anos com os efeitos da pandemia e da inflação galopante — enfrenta muitas incertezas. Para Leonardo Trevisan, economista professor do curso de Relações Internacionais da ESPM, não se pode afirmar que o atual cenário se diferencie de períodos anteriores, mas conta com peculiaridades bastante complexas — especialmente em relação ao bolso do cidadão. Confira os impactos do movimento eleitoral nas seguintes situações:
O cenário instável costuma afetar muito as decisões de quem comanda as empresas, entre elas compras, aquisição de bens, demissão ou geração de novos empregos. “Já no mercado acionário, as eleições podem ser encaradas tanto quanto um exercício de cautela quanto de percepção de oportunidades”, explica. “Quando um candidato desponta forte nas pesquisas e sinaliza apoio a determinadas políticas que beneficiam alguns setores, é comum aos investidores com alto apetite de risco comprar ações na queda e vendê-las na alta, especialmente se a situação se confirmar com o novo (ou não) governante.”
Há uma relação muito forte entre o desempenho econômico e a manutenção do partido titular no poder. “Ela está presente em todos os processos eleitorais, no mundo todo”, avalia. No entanto, o contexto brasileiro soa mais “dramático” porque o grande impulsionador da economia ainda é o Estado. “60% dos brasileiros trabalham, de uma forma ou de outra, para o Estado. Grande parcela da população espera que ele seja o indutor da economia: movimentando-a, promovendo emprego e melhores salários. Mas isso traz sempre contrapartidas”, explica.
É uma consequência do item anterior, somado ao fato de que é preciso observar o ponto sensível desta eleição em relação ao novo inquilino do Planalto em relação à disciplina fiscal. Isto é, que tenha capacidade de honrar sua dívida interna e não gaste demais além do que arrecada (a ponto de não poder pagar a dívida, como vem acontecendo com a Argentina). Esse também é o receio dos bancos, uma vez que estimular o crédito é fazer com que o cidadão tome empréstimos. Na prática, ele “compra” indiretamente títulos do governo (que precisam “valer” e “render”). Tomar empréstimos também não é uma boa, especialmente se a pessoa não tem reservas suficientes, está desempregada, endividada e não tem poder para saldá-los, entrando no círculo vicioso da inadimplência.
Para o especialista, o aumento dos gastos públicos com as campanhas eleitorais também é algo recorrente. No caso do Brasil, os interesses “misturam” a necessidade de captar votos com o comprometimento dos cofres públicos, com os recursos do Estado — o que é muito ruim. “Os anos eleitorais são exatamente assim. A lei nem sempre se consegue conter essa situação”, conta.
Dado o peso que a economia tem na intenção de voto, fica clara a existência de incentivos em períodos próximos às eleições, além da emissão de moeda, aquisição de títulos do mercado privado, entre outros mecanismos, visando aumentar a produção do País e diminuir o desemprego. É um crescimento artificial, que em geral se perde no primeiro ano após as eleições, devido à estagnação econômica, inflação ou recessão. “A conta ‘chega’ tanto para o próximo governo quanto para o consumidor mais pobre e de forma desigual”, resume.
Para muitas pessoas pouco importa a percepção ideológica do candidato, mas sim o que ele vai ou promete fazer em relação aos aspectos financeiros e ao poder de compra da população. “Nesse processo inflacionário, as questões econômicas costumam impactar muito a decisão de voto, e não só no Brasil. Isso é um fenômeno global”, esclarece.
Isso porque tanto a forma quanto o mercado acionário (re)age quanto o modo como o governo gasta o dinheiro vão afetar e muito o nosso dia a dia. Mais uma vez, a conta chega, sendo mais pesada especialmente para a população mais pobre, que não possui reservas, dependendo exclusivamente do emprego para sobrevivência e é a mais afetada pela queda do poder de compra, resultado do processo inflacionário.
Trevisan lembra que a parte mais sensível do cidadão é, ainda, o bolso — muito mais que um planejamento sólido de governo em relação às questões estruturais, como saúde, educação, moradia. Como os candidatos não apresentam um discurso sólido ou plano de governo, eles mostram que podem ser um ‘bom operador’ tanto para quem vai investir, quanto para aquele que precisa de emprego para consumir, para ter um poder de compra melhor. “Isso costuma atrair mais o eleitor, especialmente os que necessitam de saídas a curto prazo.”
Mesmo que a economia seja o cerne do período eleitoral, os discursos raramente (ou quase nunca) trarão respostas para os principais problemas. Em resumo, não se apresenta um caminho para resolver questões urgentes. “Ninguém quer perder voto, correr o risco de falar o que o eleitor não quer ouvir”, reforça. “Tendo como exemplo a última eleição nos Estados Unidos em relação ao desemprego, o discurso-base se concentrava em ‘defender a democracia e devolver o emprego aos americanos’. Mas como? As pessoas não questionam.”
O professor explica que lado a lado ao aumento da inflação, que tira o poder de compra, o Brasil assiste ao crescente endividamento da população. “As pessoas são obrigadas a escolher entre comer e pagar dívidas, questão compromete dois terços das famílias brasileiras”, lembra.
Em abril deste ano, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), 77,7% fecharam o mês com alguma dívida — que caminha de mãos dadas com a alta inflacionária. O percentual, de acordo com a entidade, é o maior da série histórica, cujo mapeamento começou em 2010.
A inflação acentua as desigualdades e é por isso que os bancos centrais do mundo têm como tarefa fundamental contê-la. “É uma equação complexa e, para isso, também é preciso segurar a geração de empregos por parte do Estado, o que impacta drasticamente em todos os aspectos da vida da população.”
De qualquer forma, não se espera um cenário positivo, independentemente de quem vença o pleito. Os especialistas já analisam os efeitos da economia norte-americana e da chinesa para 2023, já que ambos países devem tomar medidas para conter a inflação por meio da alta de juros. Isso trará consequências para o mundo.
Também há em curso a Guerra na Ucrânia, os efeitos da pandemia, a desorganização nas cadeias de produção e o aumento dos fretes internacionais, que tornam o comércio ainda mais caro. “Os bancos centrais devem tentar um controle inflacionário, o que deve resultar em menor crescimento econômico global”. E esse efeito negativo inevitavelmente incidirá nos preços, independentemente de quem ganhará a eleição.