A expressão “pensamento crítico” está muito presente em nosso cotidiano, porém nem sempre foi assim. “Apesar de o conceito estar associado à ciência, ela tem um viés social muito forte, a partir do século 17 e com as descobertas da ciência moderna que impactaram muito aquele modo de viver na Europa”, explica Christiane Coutheux Trindade, professora de Elementos de Filosofia da Ciência da ESPM. “O que se observa a partir da segunda metade do século 20 é a necessidade, cada vez maior, de um pensamento crítico — e não apenas racional ou só baseado no sentimento e na intuição”, acrescenta a professora. “O pensamento crítico é um intermediário que mostra que a razão também deve ser questionada.”
Fundamentalmente, é uma reflexão sobre um conhecimento, alimentada e retroalimentada pelo próprio conhecimento. O pensamento crítico não toma experiências prontas e tenta aplicá-las, mas analisa se estão corretas e mais próximas do ideal para, então, serem aplicadas.
O pensamento crítico lança a oportunidades para quem o desenvolve, especialmente para atuar, de fato, em um mundo cada vez mais complexo. Essa é uma necessidade em tudo o que fazemos. No universo profissional, são altamente valorizadas as pessoas que fazem análises e comparam as evidências para operar e moverem-se em um cenário extremamente difícil.
No caso das empresas, o pensamento crítico também é importante para que elas saibam reconhecer quem possui esses diferenciais (onde as regras mudam rapidamente e ainda sem respostas práticas) e também para estarem prontas para lidarem com esses vieses.
Além disso, não dá para falar em pensamento crítico sem falar no pensamento científico, no qual a análise de dados é fundamental em qualquer tipo de negócio (com novas exigências que não se constroem de imediato), e agora em um momento do mundo no qual pesam com muito mais ênfase as questões climáticas, ambientais e sociais, além de todas essas consequências no comportamento humano.
O cenário atual, de acordo com a professora Christiane, mostra-se como um dos mais desafiadores para o pensamento crítico na história da humanidade em função dos avanços da tecnologia, particularmente com o aprimoramento da Inteligência Artificial. “Sabemos que podem gerar falsas evidências altamente convincentes, as chamadas fake news e seus derivados de manipulação da informação”, esclarece.
Ela explica que a manipulação de informação existe desde sempre, só que agora entramos em uma era de sofisticação: ela é muito mais rápida e em grande quantidade, impedindo que o ser humano avalie, de fato, esse fenômeno. Isso porque os recursos presentes no processo evolutivo humano para desenvolver pensamento crítico — que é analisar as evidências — estão sendo completamente repensados, uma vez que não adianta agora “o ver para crer”.
Há também a questão do Big Data, cujos algoritmos levam às mesmas respostas, com várias consequências e desafios diferentes. “No caso dos muitos jovens, eles não percebem ou entendem isso como uma ameaça ao raciocínio sofisticado do pensamento crítico para composição de novas ideias”, alerta a professora. “Os consumidores estão sujeitos a modelos que enriquecem algumas poucas companhias, e as novas tecnologias excluem ou segregam pessoas mais velhas, só para citar alguns exemplos.”
Além disso, observa a especialista, a ausência de pensamento crítico é uma ameaça à própria forma de viver dos seres humanos e ao estado democrático dos países que pretendem seguir esse sistema. Então, é mais difícil operar nesse mundo porque as coisas simples não são mais suficientes para a busca de evidências.
“Importante lembrar que o pensamento crítico exige certo letramento do conhecimento científico. Esses dois fatores não podem ser desconectados, porque a pessoa precisa ter uma capacidade mínima para reflexão (para que ela não fique “flutuando“ em meio a opiniões) e um repertório vasto para identificar que algo está fora do lugar”, acrescenta.
E, mesmo quando existem evidências científicas comprovadas, as pessoas têm uma dimensão comportamental de não fazer um uso um pouco mais saudável das redes, especialmente quem passa muito tempo nelas. “E ainda não temos pesquisas suficientes de como esse comportamento esta modelando as sinapses neuronais”, finaliza a especialista.
O uso da razão para explicar e resolver os problemas sociedade começou a ser difundido já no século 17, tendo o seu apogeu no seguinte, com o Iluminismo, quando a humanidade conduziu suas ideias por esses critérios. “Ao sistematizar um pensamento e o observar os exemplos e os resultados, percebeu-se que uma pequena descoberta transformava diversas áreas da sociedade. Uma delas foi lavar as mãos antes dos partos, o que impactava diretamente nos índices de mortalidade infantil”, observa a professora Christiane.
Porém, o avanço do pensamento guiado pela razão não se mostrou suficiente a partir do século 20: as descobertas científicas (e, portanto, racionais) em vez de trazerem um estágio de emancipação e desenvolvimento social tanto individualmente quanto coletivamente. Daí, a necessidade de um intermediário para questionar a existência da razão.