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‘A mudança tem de começar pelo CEO’, diz especialista em diversidade nas organizações

Roberta De Lucca
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Fábio Mariano Borges, professor da ESPM, avalia a diversidade no mercado de trabalho brasileiro e os entraves para que as organizações se tornem mais inclusivas  

O publicitário Fábio Mariano Borges é mestre em Ciências Sociais e Antropologia. Há 30 anos atua com pesquisas de mercado. A partir de um estudo sobre os hábitos de consumo dos gays no Brasil, que realizou em 1999 e atualizou quatro vezes, passou a ser visto no mercado como um especialista em diversidade.  

Em 2019 foi convidado como professor-visitante da Universidade de Notthingham, na Inglaterra, para lecionar uma disciplina sobre o tema. Também é professor de Diversidade nas Organizações em cursos de mestrado da ESPM em São Paulo e atua como palestrante, consultor e desenvolvedor de projetos inclusivos em empresas, além de dirigir a inSearch Tendências e Estudos de Mercado.

Com tanta expertise, Borges afirma com segurança que o sucesso da abertura de espaço para a diversidade nas empresas está diretamente relacionado à mudança de postura de pessoas que foram criadas olhando a diversidade como algo fora dos padrões e principalmente do CEO, que é quem imprime e mantém o DNA de uma empresa. Nesta entrevista, ele disseca o tema mostrando, inclusive, a necessidade de as organizações criarem produtos voltados à diversidade, o que vai muito além dos cosméticos para mulheres negras.

Como as empresas brasileiras entendem a diversidade?

De maneira geral, entendem que pensar em diversidade é colocar ealguns dos aspectos do negócio a presença de PCDs (pessoas com deficiência), pretos, mulheres, integrantes do grupo LGBTQIA+ e ex-cárceres. A realidade é que elas ainda tratam esse tema de uma forma simples, que chega a esvaziar e quase levar a um grande equívoco de mentalidade e de tratamento das questões da diversidade. Não significa que façam isso apenas por marketing. Aliás, é raro ver uma organização lidando com o tema só por isso, até porque, aprovar ações que envolvam diversidade dentro das empresas é um problema. 

A que tipo de entraves você se refere?

Não fomos educados para conviver com os diferentes e no Brasil não temos espaço para essa convivência. Quando chega essa temática na empresa, o primeiro grande temor é “se eu faço algo que vai prestigiar os pretos, posso perder o meu público“. Eu sempre ouvi coisas do tipo “preto não é meu público ou LGTB não é o meu público. Existem gestores que não foram educados para conviver com os diferentes e não entendem que lidar com o porteiro ou com a faxineira é diversidade. E quando isso chega de modo mais consistente numa empresa,  gestores insensíveis à causa e despreparados que têm medo de perder clientes. São racistas, misóginos e homofóbicos porque vêm da elite.

Você está querendo dizer que falta a eles a visão de que todas as pessoas são consumidores em potencial e que há mercado para todos, independentemente das crenças e verdades absolutas dos gestores?

Sim, porque há uma miopia de como o gestor enxerga a empresa e o consumidor. Vi muita empresa hesitando em tomar decisões, dizendo que não é ativista disso ou daquilo e no Brasil é muito forte o mito da neutralidade, que pode ser exercida em vários aspetos. Se por exemplo as corporações tivessem uma participação significativa de gestores pretosessas pessoas levariam sua essência e vivência para o trabalho e haveria uma noção melhor das diferenças que precisam ser trabalhadasO que se vê são líderes que fingem que entendem do Brasilmas a maioria circula em circuitos privilegiados.

Nessa afirmação está contida a aceitação das mulheres em cargos de liderança até um limite seguro para uma empresa em que a maioria dos cargos de confiança são ocupados por homens?

As mulheres passaram a atuar mais ativamente no mercado de trabalho nos anos 1970, 80 e 90 e foram três décadas de masculinização do feminino. Muitas reforçaram que eram mais machos que os homens, e isso criou gestoras que negaram que haviam diferenças porque elas eram mulheres e deixaram a feminilidade de lado. Hoje isso está mudando, mas existe, sim, o mansplaning manterruptingPrecisamos construir uma cultura na qual a mulher esteja devidamente incluída em um ambiente de total segurança e onde possa se sentir ela própria. A mudança tem de começar, por exemplo, na entrevista de emprego, que deveria abolir o questionamento se a candidata tem ou não filhos, ou se pretende engravidar. Ou então incluir essa pergunta na entrevista com um homem, porque ninguém pergunta se ele tem filhos, mas se ele tem é ótimo. Porque construiu família e tem responsabilidade, já que é um provedor e tem de pagar o estudo dos filhos.

Uma organização que se propõe verdadeiramente a investir na diversidade vai colher que tipo de frutos?

A primeira vantagem é que a empresa responde aos valores e pautas que anunciam as tendências para este século, e é importante ficar claro que tendência não é modismo. É uma ruptura no nosso modo de pensar e que vai amadurecer, se estabelecer e permanecer. Desde o final dos anos 1990, empresas preocupadas em antecipar tendências se depararam com diversidade, isso humaniza a marca, a aproxima e a conecta com as pessoas, mostrando o quanto a empresa participa do cotidiano das pessoas. Quem aposta em diversidade e sabe potencializar isso em geral é mais inovador, porque olhares diferentes aceleram e otimizam recursos de inovação. Aqui eu destaco que a contribuição é mais rica porque as pessoas são diversas na empresa. Existem pesquisas que mostram que as organizações com diversidade de funcionários têm faturamento maior. 

Vendo por esse lado, seria positivo investir na diversidade, mas parece que ainda há mais erros do que acertos. Quais erros costumam ser cometidos por empresas?

A diversidade é um tema complexo e as empresas erram ao tratá-la como papo de botequim. São várias camadas para resolver. Um processo seletivo, por exemplo, deveria considerar que um candidato que veio das minorias não teve oportunidade de estudar inglês e isso deveria ser levado em contaNuma avaliação de candidatos negros não é ideal ter um monte de brancos entrevistando as pessoas, porque de maneira geral elas já têm uma autoestima baixa devido ao racismo e à sua condição social, e essas pessoas foram ensinadas desde cedo que o mundo não tem lugar para elas. O ambiente da empresa precisa ser assertivo, inclusive, no que se refere aos cuidados com a saúde mentalos colaboradores diferentes devem ser tratados de maneira diferente também.

O que as organizações precisam fazer para se tornarem, de fato, inclusivas?

m que promover cultura inclusiva lá dentro primeiro e isso e não se resume a um projeto de 10 anos, é para longo prazo e até para todo o sempre. Essa cultura vai dar conta de vários aspectos, desde assédio sexual e moral até o capacitismo para o PDC, para não se achar que ele só pode fazer coisas banais como ser ascensorista. As pessoas carregam hábitos e comportamentos totalmente antidiversidade. Deve-se pensar em ajuste e equiparação salarial, em promover ações para a sociedade, como apoiar casas de abrigo para a comunidade LGBTQIA+. Nesse sentido, uma consultoria pode ajudar a eleger as prioridades junto aos gestores, mas essa mudança tem que começar pelo CEO. Ele tem que entender a importância disso. Se o CEO não estiver envolvido, não vai dar certo.

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Roberta De Lucca

Jornalista colaboradora do Trendings.

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