Por Celina Bühler*
“Quando tomava chá embaixo de uma amoreira, nos arredores do seu palácio, um casulo caiu dentro de sua xícara de chá fervendo e soltou um fio. Assim, estava descoberta a seda”.
A lagarta branca, que se alimenta exclusivamente de folhas de amoreira, tece em torno do seu próprio corpo um casulo, protegendo-se de predadores e preparando-se para sua metamorfose. Esse casulo, formado por um único fio que pode atingir 1.500 metros de comprimento, contém a fibroína – uma proteína insolúvel em água – e a sericina, que corresponde a 30% da composição do casulo.
A sericina oferece uma série de propriedades benéficas para a indústria cosmética, pois tem hidratação intensa, ação antirrugas, efeitos antioxidantes e antibacterianos, proteção solar, e a capacidade de deixar os cabelos mais lisos, macios e brilhantes ao se ligar à queratina.
Uma indústria milenar que, devido à própria natureza do produto, deve priorizar processos sustentáveis e agroecológicos, promovendo a regeneração dos ecossistemas para garantir a reprodução contínua do bicho-da-seda, cuja vida útil é de apenas 46 dias. O processo é delicado, desde a obtenção dos ovos da lagarta, criação e cultivo da amoreira, até a coleta dos casulos para a fabricação dos tecidos.
Versátil, o fio de seda não está presente apenas na indústria da moda de luxo e cosméticos, mas também em obras de arte, decoração, instrumentos musicais, medicina, indústria química e alimentícia, confecção de paraquedas esportivos, roupas de proteção balística e muitas outras aplicações.
A lagarta cria asas e voa. Desse processo doloroso e mágico, deixa-nos um fio precioso. Após a saída do casulo, inicia-se o rigoroso processo de seleção de qualidade, do melhor fio, do melhor casulo e a categorização do seu uso e efetividade.
Mas, para onde vai o descarte? O que acontece com os fios de “baixa qualidade” ou com as roupas não vendidas, as coleções que saem “de moda” e mesmo as aparas dos tecidos durante a costura? Como garantir um ciclo sustentável e consciente nesse delicado processo de produção dos fios de seda?
O ciclo luxo-lixo-luxo só é possível a partir de mentes criativas e responsáveis, pessoas que acreditam no uso integral dos materiais, que trabalham para ressignificar o uso das coisas e valorizam a origem da vida.
O design e a arte recriam, das mais variadas formas e aplicações, o que seria lixo, traduzindo o novo olhar do luxo.
*Especialista em mercado de luxo, Celina Bühler é diretora executiva na Rarit Luxury e professora do Hub Moda e Luxo da ESPM.