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“Temos tão poucos podcasts no Brasil que eles não concorrem por ouvintes”

Filipe Oliveira
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Branca Vianna, presidente da Rádio Novelo e apresentadora do Maria vai com as outras e do Praia dos Ossos, fala sobre sua carreira e o mercado de podcasts nacional em entrevista ao Trendings

“A louca dos podcasts”. Assim se define Branca Vianna, presidente da Rádio Novelo e apresentadora de Maria vai com as outras e Praia dos Ossos. A executiva, que trabalhou como intérprete simultânea por 25 anos, começou a ouvir podcasts há quase duas décadas. Não apenas como entretenimento, mas também como uma espécie de treinamento para o seu trabalho.

“O podcast é uma ótima maneira de treinar o que chamamos de ‘língua de trabalho’. Ajuda a se manter atualizado não só na língua, mas no que está acontecendo nos países que a falam”, explica Vianna em entrevista ao Trendings.

A paixão pelos podcasts, compartilhada com colegas da Revista Piauí, a levou a fundar em 2019 a Rádio Novelo, produtora que tem em seu portfólio podcasts campeões de audiência, como Foro de Teresina, Retrato Narrado e A Terra é Redonda.

Nesta conversa, Branca avalia o mercado de podcasts nacional, fala sobre gestão de empresas, o sucesso de Praia dos Ossos e diz qual foi sua principal lição em quatro temporadas do Maria vai com as outras, podcast sobre mulher e mercado de trabalho.

Como começou o seu relacionamento com podcasts?

Eu sempre gostei muito de podcast. Deve ter 15 ou 20 anos que eu ouço. O podcast é uma ótima maneira de treinar o que chamamos de “língua de trabalho”. Ajuda a se manter atualizado não só na língua, mas no que está acontecendo nos países que a falam, seja na política, na cultura pop, as novas gírias, o novo jeito das pessoas falarem. O podcast é muito útil para treinar o ouvido, porque assim como quando estamos na cabine fazendo interpretação, não tem a imagem como suporte. Dei aulas por muitos anos na PUC Rio e sempre recomendei para os meus alunos.

Como foi a transição da carreira de interprete simultânea para podcaster?

Quando a Piauí decidiu fazer o Foro de Teresina, aproveitei a oportunidade para fazer meu pitch sobre um podcast tratando da questão da mulher e mercado de trabalho, algo que eu ouvia muito fora do Brasil. Eu achei que seria uma discussão interessante de introduzir no debate feminista brasileiro, tentando ampliar um pouco para além do movimento feminista, porque questões de diferença de remuneração e oportunidade também são questões de PIB brasileiro. Hoje em dia, quase metade das famílias brasileiras é chefiada por mulheres. Então se a mulher ganha 20 a 30% menos que o homem, esse é um problema para 40% das famílias brasileiras. Um problema muito grande que afeta desigualdade de renda e a riqueza da nação de forma geral. Por isso, acho que precisa ser discutido além do movimento feminista.

De alguma forma, as skills da carreira de interprete simultânea te ajudaram no universo dos podcasts?

É gozado, sabe que sim. Por um fato muito simples, microfone não me assusta. Estou muito acostumada a falar no microfone e a ouvir minha própria voz. Como interprete e como professora de intepretação sempre tive o hábito de me gravar na cabine para poder me ouvir depois e corrigir os meus erros.

E como surgiu a Rádio Novelo?

A Paulinha [Paula Scarpin, diretora de Criação da Novelo], a Flora [Flora Thomson-Deveaux, diretora de Pesquisa da Novelo] e eu tínhamos muita vontade de fazer outros podcasts que sabíamos que não caberiam nem no orçamento e na linha editorial na Piauí. Então, a gente precisaria de uma outra organização para conseguir produzir esses podcasts que ouvíamos fora do Brasil e queríamos produzir. E foi daí que veio a Novelo.

Ao longo de quatro temporadas do 'Maria Vai Com As Outras' vocês conversaram com mulheres de diferentes ramos e classes sociais. O que você aprendeu com elas?

O que mais me impressionou foi a enorme dificuldade que as minhas entrevistadas têm de se dizerem feministas. “Você se considera feminista?” é uma pergunta que costumo fazer. A resposta geralmente ou é não de cara ou então é uma resposta muito hesitante. Percebi que o erro é nosso, as feministas, de não conseguir explicar direito o que é o feminismo para pessoas que não são do movimento. Acho que temos a obrigação de tentar conversar com as mulheres que claramente têm uma trajetória feminista, mas não se declaram assim. Precisamos entender por que essa pessoa não quer se dizer feminista? O que vai acontecer na família dela se ela se declarar feminista? O que o círculo de colegas de trabalho vai achar? O que vai significar para a carreira dela?

Como você concilia as funções administrativas do cargo de presidente com a apresentação e produção de podcasts como o Maria vai com as outras e o 'Praia dos Ossos'?

Apesar da Novelo ter crescido muito neste ano de existência, ainda é uma empresa pequena. Não é que seja um imenso conglomerado que está dominando o mundo. A gente chega lá, mas por enquanto ainda não dominamos o mundo. Mas sou uma pessoa que delega bem. Acho que tenho uma boa intuição para quem é bom para determinada coisa. E uma vez que escolho uma pessoa que acho que vai funcionar para aquela função, dou autonomia. Não faço micromanagment. Ou a pessoa trabalha para mim porque eu confio nela e a deixo usar sua intuição ou então não é a pessoa certa. Errei [na seleção] e aí ou tenho que a treinar novamente ou trocar a pessoa.

Branca Vianna com a jornalista Isabela Teixeira da Costa pesquisando sobre o caso Ângela Diniz nos arquivos do jornal Estado de Minas
Branca Vianna com a jornalista Isabela Teixeira da Costa pesquisando sobre o caso Ângela Diniz nos arquivos do jornal Estado de Minas Foto: Divulgação

Você vê alguma importância ou vantagem em manter uma conexão de ponta a ponta no negócio?

Acho que se eu não soubesse fazer, eu também não saberia escolher quem faz. Você tem que entender do assunto, tem que entender como se faz um bom podcast. Mas eu não me envolvo. Tem coisas da Novelo que eu ouço no ar. Minha equipe tem pessoas fantásticas. Então, vou delegando. Não preciso participar de tudo e nem tenho essa intenção. Cada um tem sua expertise bastante definida e cuida do que entende.

Por que vocês decidiram revisitar o caso Ângela Diniz e o transformar em um podcast?

A gente queria muito contar essa história porque constatamos que era uma história importante em vários sentidos. Sobre o sistema judiciário brasileiro, sobre o movimento feminista brasileiro, sobre como a imprensa trata esses casos, e importante também para entender o Brasil do início da abertura política e todo aquele caldo cultural. Quando a gente percebeu que as pessoas das novas gerações não conheciam a história da Ângela Diniz, nem da virada feminista, percebemos que era uma super-história que poderíamos contar em podcast.

O podcast tem um poder de conexão muito grande com as pessoas. De que maneira vocês se relacionam com os ouvintes e como esse relacionamento influencia no produto final?

Temos uma equipe especifica de estratégia digital na Novelo, que cuida de toda essa parte: de rede social, lançamento, lidar com imprensa, pensar marketing, pensar no futuro da empresa. Temos um diálogo muito ativo com os ouvintes. O Maria vai com as outras, por exemplo, sempre teve um grupo de discussão no Facebook. Já até entrevistei pessoas sugeridas pelos ouvintes. Em um dos episódios que mais gosto, que é um episódio muito difícil sobre assédio sexual, entrevistei uma engenheira que estava morando em Portugal na época. Essa moça me foi sugerida por um ouvinte, que me mandou uma mensagem. Para o Terra é Redonda a gente fez a mesma coisa: criamos um grupo no Facebook dentro da página da Piauí para o Bernardo Esteves, que é o apresentador, discutir com o público dele. E também fizemos o mesmo para o Praia, com um grupo no Facebook dentro da página da Novelo. É um grupo muito ativo, as pessoas pesquisam por conta própria e conversam sobre cada episódio.

Quais são seus planos para o futuro da Rádio Novelo?

Somos bem ambiciosos. A gente acha que o podcast tem um futuro muito bom no Brasil. Até uns três anos atrás, era considerado aquela coisa que a pessoa faz em casa, meio de qualquer jeito, sem qualidade de som, sem edição. Aos poucos estão surgindo podcasts como o Praia, o Foro de Teresina, que estão fazendo com que todo mundo leve podcast a sério. A imprensa também está levando, tanto é que você vê resenha de podcast em todos os grandes jornais. Tem também o fato de a Globo ter lançado um monte de podcasts. Foi um salto. De uma hora para a outra, a gente não precisava mais começar as reuniões explicando o que era podcast, todo mundo sabia o que era. E aí passou a ser levado a sério pela grande mídia, pelas empresas que podem patrocinar, pelas grandes agências. O podcast no Brasil ainda é tão incipiente, que ainda acho que não tem concorrência. Tem poucas produtoras, que conversam umas com as outras e trocam referências. E os podcasts ainda são tão poucos no Brasil que ainda não concorrem pelo ouvido dos ouvintes. Todo podcast novo faz com que a audiência cresça. Você ganha um novo público que só gosta daquela coisa especifica.

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Filipe Oliveira

Editor do #Trendings.

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