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“Você tem que saber para onde vai o seu dinheiro quando faz um investimento”

Filipe Oliveira
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Marcus Nakagawa, vencedor do Prêmio Jabuti 2019 pelo livro 101 Dias Com Ações Mais Sustentáveis Para Mudar O Mundo, conversou com o Trendings sobre sua obra, sustentabilidade empresarial, o que está por trás do negacionismo climático e a importância da empatia

“Todo negócio precisa de dinheiro, seja uma empresa que preserve o meio ambiente ou uma que devaste florestas. Por isso, você tem que saber para onde está indo o seu investimento”. É o que alertou Marcus Nakagawa, professor da ESPM e autor de 101 Dias Com Ações Mais Sustentáveis Para Mudar O Mundo, vencedor do Prêmio Jabuti 2019 na categoria Economia Criativa.

O acadêmico conversou com o Trendings sobre sustentabilidade empresarial, negacionismo climático e a importância da empatia. “Quando falamos de sustentabilidade, pensamos muito em meio ambiente e esquecemos que o ser humano está inserido nisso. Se ele não tem empatia com o outro, imagina com o meio ambiente”.

Qual seu objetivo com o livro e como ele se relaciona com as ODSs da ONU?

A ideia do livro é que você faça uma ação sustentável por dia e vá somando para ver o impacto social e ambiental que você tem no mundo. Dia a dia, implementando cada uma das ações e estudando um pouco sobre elas. No fim, você ensina tudo isso a uma criança. Ou seja, multiplica o que fez e aprendeu. Cada uma das ações é relacionada com um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Inclusive, o representante do pacto global da ONU escreveu um texto na orelha do livro. Foi bem legal.

“Quando falamos de sustentabilidade, pensamos muito em meio ambiente e esquecemos que o ser humano está inserido nisso”

Você mencionou a dica 101, que é ensinar tudo isso para as crianças. Qual a importância de passar essa mensagem para a nova geração e isso já está sendo feito?

As crianças, principalmente de uma classe média ou média alta, já estão com esse chip ambiental. Escuto muitos amigos que têm filhos pequenos falando para o pai fechar a torneira, fazer a reciclagem. A primeira ação que coloquei no livro é ‘gentileza gera gentileza’. Quando falamos de sustentabilidade, pensamos muito em meio ambiente e esquecemos que o ser humano está inserido nisso. Se ele não tem empatia com o outro, imagina com o meio ambiente. As crianças parecem ter uma empatia um pouco maior. Porém, é importante também incentivá-los a mostrarem e desenvolverem ações mais sustentaríeis na escola e nas atividades.

Produtos orgânicos e sustentáveis costumam ser mais caros. Isso não dificulta para que pessoas de classes sociais mais baixas implantem esse chip da sustentabilidade em suas vidas?

Há uma sensação de que produtos mais sustentáveis ou que são ambientalmente corretos são mais caros. Em parte, isso é verdade, mas já existem vários movimentos na periferia de São Paulo de hortas orgânicas e cooperativas de reciclagem. Então, apesar desse tema [sustentabilidade] parecer ser para uma classe mais elevada financeiramente, para muita gente ele é visto como ganha pão.

Uma das dicas no seu livro é “Faça xixi no banho”. Como isso pode ajudar o mundo? Está relacionado a dar menos descarga?

Exatamente. Xixi no banho foi uma campanha que a fundação SOS Mata Atlântica fez há alguns anos e causou polêmica não só no Brasil, mas no mundo. Alguns médicos foram entrevistados e disseram que tudo bem [fazer xixi no banho] desde que você mire no ralo e não saia fazendo xixi em todo o box. Economizar uma descarga pode parecer pouco, se você compara, por exemplo, com o que é gasto na agricultura. Mas se você começa com um conceito na sua casa, isso muda o seu comportamento e amplia sua consciência, inclusive, para opinar sobre políticas públicas.

“Se você não se coloca no lugar do outro, a gente chega nessa crise que estamos hoje”

Qual dessas 101 ações pode gerar mais impacto? O que você sugeriria para alguém que não vai ler o seu livro em uma conversa rápida?

O que mais gosto é ‘gentileza gera gentileza’ porque, se você não se coloca no lugar do outro, a gente chega nessa crise que estamos hoje, que não é apenas ambiental, mas social. As guerras mundiais foram muito baseadas nisso de não se colocar no lugar do outro. Também mencionaria os Rs (recusar, reduzir, reutilizar e reciclar), tem vários no livro. E claro, a última ação que é ensinar tudo isso a uma criança.

As redes sociais têm ajudado ou atrapalhado a termos um mundo mais sustentável? Como as fake news têm interferido nesse debate?

Acho que as redes têm ajudado sim. Se souber filtrar, tem muito conteúdo interessante de ativistas ambientais e ONGs mostrando seu trabalho. Antigamente, você nem sabia o que estava acontecendo. Por outro lado, os algoritmos nos colocam em uma bolha. Se você nunca curtiu nada sobre sustentabilidade, dificilmente esse tipo de conteúdo vai chegar até você. Além disso, existem fake news e pessoas que não gostam desse tema, seja por interesse econômico, controle de poder ou manutenção do status quo. Precisamos ensinar a população a filtrar tudo isso. Esse é nosso papel de professor atualmente, deixamos de ser detentores de conhecimento e agora somos curadores.

“É ciência, quem está falando contra é porque tem interesses por trás”

Você mencionou interesses, questões de poder e controle. O quanto o discurso de lideranças que não acreditam no aquecimento global prejudica o debate da sustentabilidade?

É esse filtro que precisa ter muito claro: o que está por trás de algumas dessas declarações. Renomados cientistas mostram que o aquecimento global, o colapso ambiental, tudo isso está realmente acontecendo. Mas existem os negacionistas que acabam recebendo holofotes, principalmente daqueles que querem manter o status quo e o poder dentro do modelo existente atual. A ciência está mostrando que existe aquecimento. São dados de biólogos, oceanógrafos, geógrafos. É ciência, quem está falando contra é porque tem interesses por trás.

Qual é o maior equívoco das pessoas quando falamos em sustentabilidade?

É pensar que é só o que é ligado ao ambiental. Muita gente entende isso apenas como questão dos resíduos. Falou em sustentabilidade, lembrou do lixo, da reciclagem. Mas é um tema muito maior. A sustentabilidade empresarial, por exemplo, tem sido colocada como o tripé da sustentabilidade, que é o econômico, o ambiental e o social. Essa seria a melhor forma de gerir uma empresa, não só economicamente funcionando, mas também ambientalmente correta e socialmente inclusiva.

Cuidar e recuperar pode ser um bom negócio?

Um bom exemplo é quando uma grande empresa de tênis [Adidas] começa a recolher plástico do mar. Ou seja, deixa de usar o petróleo que está sendo puxado de lá e começa a minerar plástico do mar junto a uma ONG para fazer tênis com resíduos plásticos. Começaram com uns 150 mil pares, dois anos atrás foram 1,5m e este ano, já falam em 6 milhões. Tem vários modelos de negócio baseados na recuperação. Tem um processo chamado upcycling, que é pegar as coisas e reutilizar, dar mais valor econômico. Tomara que isso fique mais cool e seja acessível para a parte de baixo da pirâmide, porque esses papos todos ainda ficam no topo da pirâmide.

“Você tem que saber para onde está indo o seu dinheiro quando você compra uma ação, um CDC, investe na bolsa, na poupança”

Outra dica do seu livro é “Tente entender para onde vai o dinheiro dos seus investimentos”. Por que isso é importante?

O que acontece? Todo negócio precisa de dinheiro, seja uma empresa que preserve o meio ambiente ou uma que devaste florestas. Por isso, você tem que saber para onde está indo o seu dinheiro quando você compra uma ação, um CDC, investe na bolsa, na poupança. Bancos têm especialistas para verificar se essa empresa que está tomando dinheiro não está usando esse recurso para degradar o meio ambiente ou se não está respeitando os direitos humanos.

Quem são os agentes de transformação no ecossistema da sustentabilidade?

Alguns dos grandes polos sempre são as ONGs, os ativistas, que as vezes estão sendo até radicais, mas é necessário para chamar a atenção e poder entrar na discussão. A academia precisa discutir mais o tema. E tem um movimento dos negócios de impacto social, que ao mesmo tempo buscam transformação e ganham dinheiro. Você junta o econômico com o ambiental e o financeiro. Esses negócios já nascem com o propósito de fazer algumas das ações que estão no meu livro. Também cito a Abraps, o Instituo Ethos, o CEBDS, o Akatu. São várias organizações se mobilizando. É um ecossistema muito grande, porém que ainda não é mainstream.

Você citou indivíduos, empresas, ONGs, mas não citou governos.

Alguns governos, principalmente na Europa, estão liderando esse movimento. Tem as COPs (Conferência do Clima da ONU), que são feitas para discutir o movimento do clima. Mas existe um boicote nesse momento feito por negacionistas de alguns países. Isso é normal, essa polarização é o que estamos vendo atualmente. Mas os governos são fundamentais nesse movimento. Criando uma lei, como a proibição dos canudinhos, por exemplo, começa todo um movimento de real atuação.

“É uma mudança de comportamento e de hábito para o seu cérebro ir se moldando e se acostumando”

Para fechar, você diz no livro que ainda não conseguiu colocar todas as 101 ações em prática. O que você ainda não fez e quais ações você considera mais difíceis?

Uma delas é deixar de comer carne. Tenho diminuído o consumo, mas para mim ainda é bem difícil. Não que a carne seja ruim, mas tem uma pegada hídrica e ecológica muito alta. Algumas dessas ações realmente são difíceis, mas continuo sempre lendo para lembrar e fazer. É uma mudança de comportamento e de hábito para o seu cérebro ir se moldando e se acostumando com esse novo movimento. Nessas entrevistas, sempre convido o leitor a sugerir mais ações para que a gente chegue nos 365 dias com ações mais sustentáveis.

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Filipe Oliveira

Editor do #Trendings.

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