O marketing de luxo tem particularidades e justamente por isso sua abordagem é diferente do marketing tradicional, que trabalha para estruturar um negócio, criar estratégias de venda que destaquem a funcionalidade e os diferenciais de um produto. “Quando a gente pensa no mercado e no marketing de luxo existe uma diferença, porque lidamos com outro tipo de consumidor frente a um segmento bem específico, e esse segmento tem as suas dinâmicas próprias”, explica Andreia Meneguete, consultora de comunicação em moda e luxo e professora do HUB de Moda e Luxo da ESPM.
Os balizadores do luxo são status e diferenciação e esses conceitos são reforçados por meio de características como experiência e dinâmica de sedução. Portanto, a divulgação de itens de luxo não é sobre produto, mas sobre conceito, e o marketing desse segmento trabalha com estratégias para despertar desejo e interesse pela inovação, pela matéria-prima diferenciada e pela exclusividade. Quem trabalha com marketing de luxo tem que entender as nuances inerentes ao segmento para saber que tipo de mecanismo usar para se relacionar com o consumidor.
O luxo remete a simbologias e as marcas trabalham de acordo com o significado que querem disseminar, como manter uma tradição dentro de uma proposta de jovialidade. Um exemplo de empresa que entende muito bem essa ideia é a Louis Vuitton. Fundada em 1854 em Paris, até hoje fabrica baús de viagem (seu primeiro produto), além de bolsas, relógios, óculos de sol e modernos tênis, entre outros acessórios.
Nesse segmento o marketing explora o que é inerente ao luxo: exclusividade, matéria-prima de elevada qualidade, design extremamente diferenciado e, o mais importante, a experiência que acontece desde antes da compra até o pós-venda. “Há toda uma jornada de encantamento. Pode ser sobre um serviço ou a forma como exponho aquele produto”, diz Andreia. “O marketing de luxo também trabalha com um senso de inacessibilidade, que é não só pelo preço, mas muito mais sobre como esse valor se insere no design ou na atemporalidade”.
A Montblanc, por exemplo, trabalha em cima do conceito de que não fabrica canetas, mas “instrumentos de escrita”. Isso porque a grife simboliza algo que não é sobre escrever, mas sobre registrar memórias e firmar contratos importantes e especificidades como essas são matéria-prima no marketing de luxo.
A jovem Jaquemus, fundada em 2009, não tem tradição secular, mas investe na lapidação de uma imagem ancorada em preceitos importantes no universo do luxo. É uma grife francesa e seu nome homenageia a mãe do fundador, morta em um acidente. A marca ganhou prestígio com mini bolsas de design tão atraente que há quem credite à Jaquemus a popularização do acessório. Ao negociar com o luxo por meio da novidade, entrega mais jovialidade, frescor e escapismo na sua linguagem do que a Montblanc ou a Louis Vuitton.
A indústria do luxo trabalha com sonhos e desejos e o posicionamento das marcas atua empiricamente com seu público, formado por pessoas que desejam diferenciação. “Quando você pensa num Porsche, num Jaguar ou numa Mercedes, o que esse cliente quer? Inovação, tecnologia e design diferenciado. Ele também quer todas as características dessa indústria, como potência, durabilidade e segurança, só que o Jaguar é para um cara mais tradicional, a Mercedes para um cara mais esportivo e o Porsche para um cara mais criativo”, exemplifica Andreia.
A própria marca é maior do que tudo o que ela produz e os clientes, a exemplo dos diferentes perfis de quem compra Porsche ou Jaguar, sabem que ela fabrica o que eles buscam. A Chanel não vai mudar para atender diferentes públicos e a magia está exatamente nisso. Chanel é a Chanel e as mulheres consomem toda a história da marca e sua tradição.
Por isso, quando uma grife contrata um designer ou um diretor criativo, ele não pode fazer o que quiser, porque há uma herança, um DNA a ser preservado. É muito diferente de um estilista convidado criar uma coleção para grandes marcas do varejo de moda.
Quem tem visão ampla arrisca projetos ousados como a Dolce & Gabbana. Em setembro de 2023, a grife italiana anunciou sua entrada no mercado de imóveis de luxo com um empreendimento em Marbella, na Espanha. As vendas do Design Hills Dolce & Gabbana Marbella aconteceram em duas etapas. Primeiro, os imóveis de 250 milhões de euros foram oferecidos com prioridade a clientes premium da marca e só a partir de 2024 as demais unidades passaram a ser ofertadas a quem não estava na seletíssima lista.
A indústria do luxo é muito midiática. As grifes fazem lançamentos para a imprensa especializada, promovem encontros exclusivos para clientes VIP e organizam desfiles, mas também sabem da importância dos trendsetters e dos embaixadores para impulsionar a divulgação.
“É comum terem esses stakeholders estratégicos, que podem ser uma celebridade, um artista plástico ou um chef, depende de cada marca”, diz Andreia. Editores de moda de revistas e portais especializados são super trendsetters.
Anna Wintour, redatora-chefe da Vogue, publicação de moda mais importante do mundo, é grande formadora de opinião. Nos anos 1980, a Vogue levou para as bancas uma capa que aliava alta costura com jeans. As pessoas se surpreenderam e torceram o nariz, enquanto Anna sinalizava que o consumidor não usaria roupas da alta costura para todo o sempre para ir a um evento.
O cliente é outro potencial divulgador orgânico de marcas, porque existem pessoas antenadas com movimentos e comportamentos inovadores que gostam de experimentar antes dos outros. São consumidores que não têm medo de ousar, a exemplo de publicitários e artistas.
Numa ordem de hierarquia, a disseminação no luxo vem de trendsetters, de early adopters, de clientes majoritários e dos retardatários. Quando o produto chega nesses últimos, a fast fashion já está fabricando cópias.
Uma vez que um produto de luxo por si só já é colocado em um patamar diferente dos itens produzidos em larga escala, o consumidor valoriza muito mais como o produto é fabricado, porque ele não é uma orientação de tendência de moda como a fast fashion, mas algo acessível a poucos e que cumpre com um papel social de respeito ao meio ambiente e à sociedade.
Outro ponto a ser observado é que diante da evolução da sociedade o conceito de luxo muda um pouco de significado, bem como os valores sociais. “Esses valores vão flutuando conforme a sociedade vai ressignificando todas as questões. Hoje com certeza a gente vai ter que trabalhar com inovação focada na sustentabilidade”. É ficar atento o tempo todo para fazer pequenas adaptações, porque há um comportamento de consumo que começa antes com esse público.
Segundo a especialista, a maioria das marcas de moda de luxo já tem o compromisso de atender alguma demanda, seja ambiental, de identidade de gênero ou social, a exemplo da Stella McCartney, cujo posicionamento é calcado na sustentabilidade há décadas.
Andreia explica que quem consome sustentabilidade antes de todo mundo é o consumidor do luxo. É ele quem vai comprar carro elétrico primeiro, porque ele está nesse lugar de diferenciação.
Apesar de adotarem um posicionamento de marca de menos fluidez porque se vendem por si só, as grifes de luxo também convivem com desafios. “Um dos grandes desafios do segmento de luxo hoje é as empresas não perderem seu significado de exclusividade e de perenidade para formatos de mídias que são efêmeros”, diz Andreia. “Cada vez mais elas têm que pegar esse lugar de experiência e de magia e levar para o digital que, pelo formato das nossas mídias, acaba em 24 horas. Por isso a combinação do on e do off é essencial, porque no off que eu consigo tangibilizar e materializar a minha existência”.
Significa criar diversas ações como projetar uma vitrine atraente, uma grande campanha ou evento onde é possível passar essa ideia de tradição e magia, especialmente porque o consumidor de luxo busca cada vez mais esse contato com a marca.
Quem visita site oficial a Chanel busca história, então assiste pequenos filmes sobre a marca e os produtos. “Mas só vai ter apreço por essa história quem valoriza esse luxo, porque quem quer só a bolsa está comprando só a novidade”. A especialista também cita a revista NET-A-PORTER como exemplo de ambiente de contato com a comunidade desse segmento a partir de um conteúdo editorial diversificado sobre o universo do luxo.
Nessa toada de que o cliente mergulha antes que todo mundo na novidade, Andreia explica que as tendências surgem dos extremos: ou do luxo ou da periferia, nichos em que as pessoas não têm medo de ousar e não perdem nada. Ao contrário, pegam carona no espírito do tempo.
O marketing de luxo é mais sobre o conhecimento do profissional a respeito do conceito e das particularidades do segmento do que sobre dominar as melhores ferramentas. “O setor trabalha com estratégias de sedução e gramáticas direcionadas para um público que tem um olhar treinado e educado para compreender essa contemplação”, afirma Andreia.
Por isso a demanda é por um profissional que entenda que o que faz uma pessoa comprar um terno de 30 mil reais é o significado. Nessa roupa estão embutidos detalhes imperceptíveis, mas que quem conhece sabe o motivo e o valor de um caseado específico no blazer.
Para trabalhar nesse segmento é importante ter repertório como o oferecido na Pós-graduação em negócios e marketing de luxo contemporâneo da ESPM. A didática foi criada dentro do contexto do que significa luxo e as simbologias que colocam as marcas em um lugar de diferenciação. “É preciso entender que luxo não é um significado mercadológico. A dimensão mercadológica eu diria que é terceira (em ordem de grandeza). Tem a dimensão social, a simbólica e depois a mercadológica, e ela só se justifica quando o profissional entende a dinâmica que estrutura esse mercado”, conclui Andreia.