Um processo que começou na marra. Pode-se resumir assim o modo pelo qual o tema transformação digital entrou pra valer na pauta do dia no mundo dos negócios para todos os tipos de organizações – e deixou de ser apenas uma conversa de iniciados de grandes empresas para, “na marra”, virar o centro das atenções de qualquer empresário.
Para falar sobre o tema e analisar o cenário atual (e futuro) para o mundo dos negócios, fomos conversar com Sérgio Santos, especialista em estratégias para transformação digital e branding. Professor de cursos de MBA e in-Company da ESPM-SP, também é CEO da XPotential Brasil, colunista de transformação digital na BandNews FM, curador da trilha sobre o mesmo assunto na São Paulo Social Media Week (SP-SMW) e coautor do livro Como empreender e aprender com seus erros, lançado em 2019.
Quais têm sido os “próximos passos” mais promissores tomados pelos pequenos e médios empreendedores?
A primeira coisa a fazer é entender que a crise acelerou mudanças importantes e estruturantes que já estavam acontecendo. Por exemplo a representatividade do e-commerce no varejo americano cresceu de 12 para 21%. Em oito semanas, cresceu o mesmo que nos últimos 10 anos. No Brasil estima-se crescimento semelhante. É claro que esses números foram impulsionados pelo isolamento. Mas não voltarão ao normal após esta fase. Os consumidores tiveram novas experiências que já alteraram seu processo de consumo. Além disso, novas preocupações com a saúde, novas formas de trabalho e emprego, novos hábitos sociais e o convívio com mudanças profundas formam o chamando “novo normal”. Se existe um novo normal, é hora de cada empresa rever seu propósito e verificar qual será sua contribuição de valor nesta nova sociedade. A partir daí, verificar se seu modelo de negócio precisa de ajustes – bem como sua estratégia e processos.
“Se existe um novo normal, é hora de cada empresa rever seu propósito e verificar qual será sua contribuição de valor nesta nova sociedade”
Tem como você exemplificar esse processo do “novo normal”?
Imagine um pequeno restaurante que teve que fechar seu salão por causa da pandemia. Como todos os seus concorrentes, recorreu a serviços de delivery – mas isso foi insuficiente para recuperar o faturamento e a margem, já que restaurantes pagam até 25% pelo serviços de delivery. Uma das causas desta queda no faturamento é que o consumidor agora está muito preocupado com a segurança no preparo e na entrega das refeições. Para endereçar estas demandas, hoje, na China pós covid-19, muitos restaurantes já possuem câmeras que transmitem, ao vivo, a preparação dos pedidos para os consumidores remotos – inclusive com a identificação do número do pedido. Assim os clientes podem acompanhar, pelo celular, a preparação do seu pedido, identificando se as pessoas estão usando máscaras e luvas desde o início do preparo até a embalagem e despacho. Esse pequeno restaurante brasileiro, do nosso exemplo, talvez não precise, necessariamente, implantar esse sistema mais sofisticado com câmeras, mas pode e deve rever seu processo de preparação dos pratos e garantir a segurança do preparo com o uso de máscaras, luvas e todos os cuidados necessários. E pode produzir um vídeo simples para comunicar o processo seguro para os seus clientes através das redes sociais, do site ou até de um folheto com fotos explicativas que possa ser entregue junto com o pedido.
De que maneira o engajamento de pequenos e médios empreendedores em transformação digital pode ajudar nesses processos?
De modo geral, de três formas. A primeira, reduzindo custos operacionais: a adoção de algumas plataformas digitais pode reduzir tempo em ações repetitivas e de baixo valor agregado, permitindo a redução da mão-de-obra ou maior produtividade. Outra é pela ampliação da área de atuação: a maioria dos pequenos negócios atua localmente, atendendo uma área pequena e próxima à loja. A adoção de plataformas de e-commerce ou a adesão a um marketplace amplia a área de atuação. Um bom produto, bem posicionado, pode ser consumido em todo o país e até no exterior, mesmo sendo fabricado por uma pequena empresa. Por último, criar mais valor para seus clientes: uma parte importante da transformação digital é a gestão de dados, principalmente daqueles decorrentes da jornada do consumidor. A constante análise e interpretação desses dados possibilita a criação de soluções novas e efetivas para atender melhor os consumidores.
Quais seriam os primeiros passos para quem quer se transformar digitalmente?
Começa com o reconhecimento de que o mercado mudou. De que ocorreu um movimento estrutural sem volta. Por isso, precisamos repensar nossa forma de atuar, nossas estratégias e nossas competências. Começa por um diagnóstico interno e um externo. Interno porque já existe muita informação e conhecimento dentro da empresa. O problema é que ele não está articulado. Externo para ouvir clientes e suas demandas latentes. Suas dores e as oportunidades de atendê-las. Muitas vezes, fazemos um mapeamento da jornada do consumidor para entender onde podemos criar valor ou reduzir atritos. Depois, porém, é importante avaliarmos a necessidade de revisar o propósito da empresa e as frentes estratégicas que precisam ser desenvolvidas. Para cada frente é criado um grupo multifuncional que fica responsável pela efetivação do pilar estratégico na prática. Esses grupos começam a criar a integração entre os departamentos, que é fundamental para a transformação digital.
E como a empresa sabe que está no caminho certo – ou como se valida uma transformação digital?
Cada projeto de transformação digital deve ter seus próprios KPIs [Key Performance Indicators ou Indicadores Chave de Desempenho]. Em geral, o maior impacto positivo deve ser visto no consumidor, nos processos e nos colaboradores. No consumidor pelo aumento no NPS, (índice de satisfação e recomendação) e maior engajamento; em processos, pela maior produtividade e maior assertividade. Pode haver redução de custos correntes, redução de pessoas ou redução de pessoas em processos que agregam pouco valor e aumento em processos de maior valor; já com os colaboradores, busca-se um engajamento maior dos colaboradores-chave – embora sempre vai haver um núcleo de resistência. Outros indicadores podem envolver redução de custos, integração dos departamentos, maior inovação, adoção de soluções digitais e interações de valor com o mercado.
Podemos considerar que o objetivo de uma transformação digital vai além da adoção de novas plataformas. Então qual seria o resultado de um processo como este, a meta final a ser alcançada?
O objetivo maior é ter um relacionamento de valor com seus clientes e reduzir riscos de novos concorrentes roubarem seu negócio. Mas, como falei, o aumento de produtividade e uma nova cultura organizacional mais ágil e, se necessário novos modelos de negócio focados no cliente, também são objetivos importantes e sinérgicos.
Depois de um momento disruptivo, como o que estamos passando, onde praticamente todo tipo de interação passou a ser online, há chance de uma volta ao dia a dia “offline?
Vamos precisar fazer uma revisão completa da estratégia e eventualmente do propósito ainda este ano. Mas, no primeiro momento, minha recomendação é fazer uma avaliação sobre a nova situação dos clientes, dos colaboradores, da marca e dos produtos sob a ótica da nova realidade. Quais são as novas demandas e preocupações, Quais são as novas barreiras? Quais as dificuldades dos nossos colabores para voltar ao trabalho. Quais preocupações? Da mesma forma, avaliar como ajudamos clientes a solucionar suas novas preocupações para voltar a consumir. Como a marca e a experiência de produto podem ajudar. Essa avaliação inicial vai gerar uma série de novos insights que servirão para compor um novo padrão de comportamento. A partir do novo padrão, temos uma orientação de como devemos ajustar nossas atividades. É fundamental manter aberto o canal de comunicação com todos os stakeholders, mais do que nunca. Pois temos muito para aprender sobre o novo normal.
“É fundamental manter aberto o canal de comunicação com todos os stakeholders”
Quem deve liderar a um processo de transformação digital em uma empresa e como esse líder pode preparar a sua equipe?
O processo é horizontal e deve envolver o maior números de colaboradores. Mas a liderança tem que ser do topo. A mudança causa dores e desconfortos. Tira pessoas da posição de conforto. Por isso, e pela importância para o negócio, tem que ser comandada, ou pelo menos claramente patrocinada, pelo principal líder da organização. A transformação digital requer uma forte liderança para impulsionar a mudança. Mas também requer uma visão de quais partes da empresa você deseja transformar. Empresas de todos os setores e regiões estão experimentando – e se beneficiando – da transformação digital. Seja na maneira como as pessoas trabalham e colaboram, na maneira como os processos de negócios são executados dentro e fora dos limites organizacionais, ou na maneira como uma empresa entende e atende os clientes, a tecnologia digital oferece muitas oportunidades.
Qual o risco ou problema de iniciar a transformação digital pela adoção de novas tecnologias?
O risco é comprar uma ferramenta sem saber que obra você está fazendo
E depois adaptar a obra (e os colaboradores) a ferramenta comprada.
Como preparar a equipe para a Transformação Digital?
O primeiro passo é fazê-la entender que todos, como profissionais, têm muito a ganhar passando por um processo de TD. Pois entenderão melhor o novo ambiente de negócio e desenvolverão novas competências fundamentais para que se mantenham competitivos no mercado de trabalho. Depois, é necessário engajá-los no projeto e desenvolver algumas competências específicas, dependendo da função: Liderança 4.0, Metodologias Ágeis…