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Futuro da globalização: professora de RI avalia os impactos da pandemia na geopolítica

Patrícia Rodrigues
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A mudança nos pilares da globalização, as polarizações e a discussão de temas universais como a saúde e a desigualdade social exigem uma posição mais definida do Brasil no cenário internacional

Bem antes da crise sanitária, o futuro da globalização já era pauta nas agendas: vamos continuar nessa lógica — do aumento do fluxo de comércio e de pessoas — porque não dá mais para retroagir? Ou vamos questionar seus efeitos, como o aumento do nacionalismo em alguns governos, da desigualdade, da dificuldade de manter empregos? “Esse debate já existia e ficou bem claro com eleição de Donald Trump, de Bolsonaro e com os efeitos do Brexit”, explica a professora Denilde Oliveira Holzhacker, do curso de Relações Internacionais da ESPM. “Isso porque os Estados não têm mais mecanismos de controle para tentar criar situações e garantir, especialmente, emprego para sua população. Todos estão dentro de fluxos globais que mudam de acordo com os interesses não mais dos Estados, mas sim dos atores privados.”

A pandemia acertou em cheio dois importantes pilares da globalização, causando efeitos no fluxo de pessoas (países “se fecham” para impedir a contaminação) e também na produção e nos processos das cadeias globais de valores (o isolamento da China desencadeou uma série de dificuldades para os países dependentes de insumos e de seus produtos). “No entanto, aspectos ligados à globalização se ampliaram, como a intensa troca de ideias, a capacidade de se conectar para superar a distância física. Isso se deve graças às ferramentas tecnológicas que permitem estabelecer diálogos em diferentes partes do mundo, inclusive com as transações e o comércio online”, observa.

Polarizações e muitas incertezas

De acordo com a professora, alguns cenários podem ser percebidos, como o movimento de alguns Estados criarem mecanismos para se tornarem menos dependente dos fluxos globais, enquanto outros já não possuem mais esse controle — a própria lógica da globalização. Com isso, de um lado assistimos à emergência de um nacionalismo forte em alguns países e, de outro, o papel das organizações internacionais como coordenadores das ações entre os países. “Isso pode fazer com que o processo já conhecido de globalização sofra algum tipo de alteração. Existem movimentos, sim, antiglobalização que se intensificaram e que podem ter mais força em alguns aspectos, mas também temos presentes os seus adeptos”, analisa.

Como ainda vivemos em tempos de pandemia, é bem provável que o mundo assista, algumas vezes, a dinâmicas bastante contraditórias que refletem as incertezas desse tempo. “Acredito que tenhamos uma ‘nova lógica’, mas ela continuará sendo ‘global”, observa. “Nenhum Estado hoje consegue afirmar sua autossuficiência ou dizer que não está interligado ao mundo. Não deve haver uma situação de isolacionismo, mas pode ser que tenhamos padrões e globalizações diferentes no mundo pós-pandemia.”

“Acredito que tenhamos uma ‘nova lógica’, mas ela continuará sendo ‘global”

A pandemia também expôs, de forma mais contundente, a questão da desigualdade no mundo, tanto em relação ao acesso à saúde quanto à econômica. E não só em países em desenvolvimento, mas também nos desenvolvidos. Uma discussão atrelada a esse contexto é o papel do Estado como promotor de políticas que possam gerar mais acesso e menos desigualdade. “Elas vão desde o atendimento emergencial no cenário da pandemia, a taxação de grandes fortunas, a modelos que proponham soluções, como o aumento de verbas para pesquisas, assim como o papel social das empresas.”

Outro movimento, de acordo com a especialista, são as fortes discussões sobre o uso de recursos ambientais — principalmente ao considerar a ideia de que a pandemia e a própria doença são consequências de uma crise ambiental. Não é só uma questão de consciência, mas uma visão pragmática de que não dá mais para ignorar a questão dos impactos ambientais para o futuro — deixando de ser um argumento de ambientalistas para ser parte da sociedade, muito forte na europeia e, mais recentemente, na norte-americana. “Já estava no horizonte e a pandemia acelerou o processo de debate, com muitos grupos fazendo com que o tema entre na agenda global não só de forma ideológica, mas de forma prática, com ações de governos, sociedades e empresas”.

E o Brasil?

Para a professora Denilde, o País vive uma política interna que se alinha ao nacionalismo, com pautas mais conservadoras. E, se considerarmos o grupo que vislumbra um futuro mais ambiental, mais integrado e menos desigual, pode-se dizer, sim, que o Brasil está isolado — e na contramão da maioria da opinião pública global.  “Recebemos pressões pelas questões ambientais, de direitos humanos e sobre a condução da pandemia que geram um aumento da percepção negativa, bem próxima a dos anos 1970, quando o País sofria também uma crise de imagem exatamente nesses temas, direitos humanos, defesa da democracia, defesa do meio ambiente e a questão indígena.”

Além disso, o País também é alvo das pressões externas para a defesa dessas agendas até mesmo para poder integrar essa dinâmica internacional. “Depende também de uma disposição da sociedade, de pressionar para que o governo assuma ou mantenha seus compromissos internacionais”, reflete a professora. Outro ponto importante também é o timing, para que não se perca novamente uma nova fase de construção de uma ordem internacional. “O Brasil poderia, por exemplo, ser líder no debate sobre a questão ambiental, no lugar de ser alvo críticas por não tomar ações necessárias. Internamente, existem discussões e movimentos empresariais que podem gerar pragmatismo ou pressão econômica, especialmente porque alguns países estão deixando de comprar do mercado brasileiro, justamente pela questão ambiental. É um custo muito alto para as empresas no cenário internacional.”

“O Brasil poderia ser líder no debate sobre a questão ambiental, no lugar de ser alvo críticas por não tomar ações necessárias”

Além disso, o Brasil está fora dos grupos majoritários de debates — e, em alguns casos, fora do debate. “O mais impactante é, além de estar fora do debate de como será a nova ordem, é não participar de grupos da Organização Mundial da Saúde (OMS) que discutem a gestão da saúde global, nem do Banco Mundial sobre a questão de reestruturação econômica, nem da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nem mesmo tendo países aliados, como Estados Unidos e Israel”, enumera a especialista.

Outra questão importante é a discussão sobre o racismo e da violência policial, que estão dentro da pauta dos direitos humanos, mas é uma agenda mais ampla. “O governo desconsidera a questão racial, mesmo sendo a população que mais sofreu com o desemprego nesse período. Quanto à violência policial, está nas raízes e apoiadores do bolsonarismo. Talvez, pelo número de mortes durante a pandemia, a questão indígena possa gerar pressões dentro e fora do País”, finaliza.

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Patrícia Rodrigues

Jornalista colaboradora do Trendings.

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