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‘Dois Papas’ sob a ótica das Relações Internacionais

Denilde Oliveira Holzhacker
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Ao contrapor posições de um Papa tradicional e conservador e de um futuro Papa irreverente e progressista, Fernando Meirelles nos faz refletir sobre o ideal de liderança e autoridade moral para orientar os comportamentos dos católicos em momentos de crise

De que forma as instituições tradicionais, como a Igreja Católica, que por séculos orientaram comportamentos e atitudes, inserem-se no atual quadro de transformações tecnológicas, sociais, culturais? Ou ainda, como as lideranças religiosas se adaptam as novas expectativas dos seus fiéis? E como manter o poder político destas instituições na atual realidade mundial? O filme “Dois papas”, do diretor Fernando Meirelles, nos expõe alguns destes questionamentos. O diálogo entre o Papa Bento XVI (protagonizado por Anthony Hopkins) e Cardial Jorge Bergoglio (vivido por Jonhathan Pryce), que em 2013 se tornou o Papa Francisco, desvenda ao telespectador as posições de cada protagonista sobre o atual papel da Igreja Católica não apenas do ponto de vista espiritual, mas também seu papel político e social.

Durante o filme, que alterna entre diálogos fictícios e situações reais, compreendemos as diferentes visões e trajetórias de cada um dos protagonistas. O filme trata de questões polêmicas, como os casos de acusações dos abusos sexuais contra padres ao redor do mundo, bem como é uma amostra de aceitação ao diferente e tolerância, tema essencial em tempos de xenofobia e intolerâncias políticas e religiosas.

Ao contrapor posições de um Papa tradicional e conservador e de um futuro Papa irreverente e progressista, o diretor nos faz refletir a respeito do ideal de liderança e autoridade moral para orientar os comportamentos dos católicos em momentos de crise.

Os escritos teológicos do Papa Bento XVI, o alemão Joseph Ratzinger, que dirigiu a Igreja entre 2005 e 2013, se tornaram a base para o debate sobre a tradição católica durante o papado de João Paulo II.  A sua visão conservadora sobre atuação da Igreja foi questionada diante das acusações de abuso sexual infantil contra padres pelo mundo. O papado de Bento XVI enfrentou um grande teste de liderança e de capacidade de responder às novas transformações da sociedade. Foi um momento de crise e perda de representatividade do Vaticano no mundo.

Por outro lado, um Arcebispo em um país latino-americano encantava seus fiéis em sermões abertos e inspiradores. Mesmo com todas as transformações do século XXI, o Arcebispo em Buenos Aires demonstrava ser possível reinventar uma instituição tradicional e conectá-la ao cidadão comum, sendo um guia espiritual e uma autoridade política e social.

O Papa Francisco, no filme ainda como Arcebispo de Buenos Aires Jorge Mario Bergoglio, é apresentado como um homem humilde que mantém contato com a população, especialmente, a mais pobre de Buenos Aires. É o líder que pode reconectar a Igreja aos seus fiéis, além de demonstrar pouco interesse em se envolver nas disputas poder no Vaticano.

O filme mostra um líder que resgatou seus princípios para se aproximar dos seus fiéis. Bergoglio foi acusado de cumplicidade com a chamada “Guerra Suja” durante a ditadura militar argentina, entre 1976 e 1983, por não ter defendido dois padres jesuítas presos e torturados pelo Governo. Em 1990, Bergoglio deixou a liderança da Igreja e foi enviado para Córdoba e, por dois anos, passou por um período de reflexão interior. Do ponto simbólico, temos um líder que resgatou seus princípios morais e mostrou flexibilidade para rever suas posições e atitudes, neste sentido, ele é o representante ideal para conduzir a Igreja Católica no contexto de mudanças.

Apesar das cenas reais sobre o período militar na Argentina que mostram o sequestro de dois padres jesuítas, bem como as acusações de que Bergoglio ter ordenado o fechamento da ordem jesuíta, o filme pouco questiona complacência da Igreja Católica na sustentação da ditadura. É preciso apontar que outros fatos retratados ao longo do filme, como a relação do Cardeal Bergoglio com a alta cúpula militar e o General Videla (presidente da junta Argentina), são contestados por historiadores e biógrafos do Papa Francisco.

As disputas políticas dentro da Igreja são retratadas ao longo do filme. No entanto, a mensagem do filme é que, apesar das diferenças, é possível construir um diálogo entre as diferentes forças. A legitimidade da representação política da Igreja estará na sua capacidade de compreender os novos tempos e oferecer novos caminhos. A tolerância e o diálogo serão as respostas para enfrentarmos os desafios das transformações atuais. E, por isso, vivemos uma época em que dois Papas tão diferentes faz tanto sentido.

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Denilde Oliveira Holzhacker

Doutora em ciência política e professora de relações internacionais na ESPM. É coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Americanos (NENAM). Foi professora visitante do Bentley College (2007-2009).

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