A sociedade vive um momento interessante. Se por um lado a Geração Z nasceu com um celular nas mãos e as gerações anteriores (em especial os baby boomers e a X) viram o surgimento e acompanharam o aperfeiçoamento da tecnologia, não significa que todo mundo domina essa área. Ao contrário, pessoas mais velhas e muitos jovens necessitam de alfabetização digital.
Thaís Campas, coordenadora da Pós-graduação em Imersão Digital Aplicada Negócios da ESPM, foi entrevistada no episódio 71 do Lifelong Cast, o podcast da ESPM para você se preparar para o futuro do trabalho e dos negócios, para falar sobre esse tema tão atual e importante. Embora pareça estranho afirmar que os GenZ precisam ser alfabetizados digitalmente, o fato é que eles só conhecem a tecnologia embutida.
Tecnologia embutida é um aplicativo como o Waze, que leva as pessoas de um local a outro sem que o usuário precise pensar em que caminho fazer. Antes do smartphone e desse tipo de aplicativo, os motoristas usavam guias de rua impressos em papel para programar o trajeto. “Quando você faz um aplicativo que te facilita a vida, ele tem por trás uma série de tarefas, o que a gente chama de algoritmo, que são estratégias de decisão”, explica Thaís.
No Waze, o usuário insere o endereço para onde quer ir e o app decide o trajeto sozinho, executando uma ação que o ser humano faria consultando o guia de ruas. Essa árvore de decisão é a tecnologia embutida do app. “Então, o que acontece com uma geração que nasce dentro dessa perspectiva? Se eu não tiver o Waze, como é que eu me localizo numa cidade grande como São Paulo?”, pergunta a professora.
“Esse é um exemplo bem simples e isso vai acontecer tanto em situações mais complexas, quanto em situações muito simples. A geração Z não é toda igual, então tem a galera mais novinha da GenZ que vai receber algumas coisas prontinhas, mas o pessoal nascido em 1995 já tem alguma noção de algumas coisas que hoje foram facilitadas”.
Quando o pessoal mais novo ingressa nas empresas e tem que lidar com softwares de CRM ou ERP, que são programas muito mais complexos, não basta saber usar um computador e uma ferramenta tecnológica. Para analisar dados do CRM é necessário ter raciocínio de contextualização.
A tarefa estratégica, que também é uma tarefa criativa, é desafiadora e exige resiliência e experiência. É preciso tentar várias vezes. Por exemplo: melhorar um documento ou alterar a ordem de um texto não é algo comum para quem é da geração Z, porque é preciso ter resiliência, e lidar profissionalmente com tecnologia exige isso.
A bola da vez é a inteligência artificial e muitos defendem que agora é a época de fazer coisas incríveis. “Eu vejo que as pessoas estão completamente perdidas, porque a tarefa criativa, a tarefa inovadora, a tarefa disruptiva é justamente para quem tem resiliência”, diz a especialista, afirmando que as pessoas necessitam de conhecimento e repertório para inovar.
Inovar não é ter uma ideia, criar uma interface e acreditar que a IA vai resolver tudo. Não é assim que funciona, é necessário pensar a interface, porque há uma lógica por trás e requer ao menos uma curadoria daquele contexto – saber qual é o problema e o que a aplicação deve resolver, porque toda tecnologia é desenvolvida para mitigar ou solucionar um problema.
Quando se implementa tecnologia, o objetivo não é cortar custo, então quem acha que IA reduz custo está pensando errado. A IA vai trazer produtividade e eliminar pequenos gargalos, é isso que se pode esperar da tecnologia da informação. O desafio hoje é pensar no trabalho criativo, disruptivo, dentro da perspectiva da inteligência artificial. Mas não tem como a IA substituir o ser humano na execução dessas tarefas.
“A riqueza da vida vem de uma experiência, entre aspas, holística. Não é só a experiência de ver no papel, é a experiência do ambiente, das pessoas, da temperatura do ambiente”, explica Thaís. “Muita coisa que vivencia como experiência individualmente, você não vai colocar para fora. Então a inteligência artificial precisa de pontos de contato, touch points, onde ela monitora, aprende com aquilo e correlaciona com um contexto específico”.
Profissionais atentos sabem que a tecnologia é importante para a grande maioria das atividades. Thaís explica que no MBA em Gestão Estratégica de UX Design que ela também coordena, muitos alunos são da área da saúde, entre eles médicos que estão deixando a medicina tradicional para desenvolver produtos para a área da saúde.
São profissionais sem alfabetização digital. Não conhecem metodologias de projeto, não sabem o que é transformação digital e chegam no curso com aquela ideia de que tecnologia se restringe ao departamento de TI.
Hoje, afirma Thaís, o paradigma da internet traz a ideia de que você vai utilizar a tecnologia e não vai haver ali um profissional, o famoso “cara da informática” de anos atrás, que vai resolver os problemas do usuário. “É igual a passagem de avião. Antes você ficava lá no guichê esperando a moça (fazer o check in), e agora você tem a interface com um software para usar. Então, a ideia é tirar essa coisa do “cara da tecnologia”. É você quem vai dizer o que precisa e a gente vai desenvolver um projeto para você, só que você vai participar”.
Uma vez que a ideia é participar do desenvolvimento de projeto e não apenas contratar quem o faça, a alfabetização digital é importante para os profissionais entenderem o que é movimento ágil, transformação digital, SAS, nuvem e inteligência artificial, por exemplo. Quem não sabe o significado desses termos não acompanhou processos de automação e não sabe como a indústria de software evoluiu até chegarmos onde estamos.
“É isso que eu chamo de alfabetização digital. Você tem que entender como é que se desenrola um projeto e se envolver, porque se não se envolver você nunca vai conseguir trabalhar”. Afinal, vários processos operacionais são cada vez mais automatizados e é preciso saber como funcionam para o profissional poder tomar decisões junto com os desenvolvedores. Isso ajuda a fazer benchmarking de ferramentas para saber o que é melhor a partir das necessidades.
A primeira coisa que o profissional tem que entender é que não existe competição entre sua competência e a tecnologia. Ao contrário, a tecnologia permite mapear como o processo foi concebido e está sendo feito, quais são os resultados e que adaptações da ferramenta são necessárias. Em termos práticos, significa agregar o que profissional sabe ao universo tecnológico.
A postura é a de se perguntar como potencializar o conhecimento através da tecnologia. É um processo de aculturação, de venda da tecnologia no sentido positivo, porque ela ajuda a tornar acessíveis processos que antes não eram acessíveis. Basta observar a estrutura de um marketplace, que coloca vários produtores em um mesmo ambiente digital. Um profissional que não tem essa alfabetização, que não se propõe a um uso mais interessante da tecnologia está perdendo uma oportunidade.
Segundo a professora, atualmente é difícil um profissional fazer seu negócio crescer sem estar no universo digital. Dependendo do seu potencial para conseguir ter um trabalho de comunicação convencional, como o boca-a-boca, a pessoa até sobrevive, mas o fato é que a internet salvou muitos pequenos comerciantes durante a pandemia. Portanto, não há porque ter resistência.
“Mesmo que você não queira nada, faça um site. Eu conheço a dona de um bazar de roupas de grife. Ela não tem nem Instagram, está vendendo pelo WhatsApp. Ela não tem vitrine, as coisas ficam dentro da casa dela, mas usa o WhatsApp e algumas listas”, conta Thaís. “Ela faz ou não uso do digital? Ela faz, contrata um banco digital e vê que pode ter PIX, link de pagamento e QR code”.
O digital é um subcultura de consumo com subculturas digitais que oferecem diversas ferramentas, como as destinadas a nutricionistas ajudarem seus pacientes. Ou seja, a tecnologia está disponível para todo tipo de empreendedor e de profissional. Não é preciso ter sua própria empresa para desenvolver um pensamento estratégico que acolha a tecnologia.