Houve um tempo em que bastava colocar no currículo a realização de um curso no exterior para “valorizar o passe”. Afinal, obter conhecimentos técnicos e novas habilidades profissionais é algo sempre bem visto e bem-vindo pelas empresas. Porém, isso já não é mais o grande diferencial – se não estiver incluso na experiência a soma de novas soft skills que a vivência em outro país e cultura sempre agregam ao profissional que investe em educação continuada.
E é exatamente para explicar esse novo momento da internacionalização que fomos bater um papo com Rodrigo Cintra, Diretor de Internacionalização da ESPM. Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, Doutor em Relações Internacionais e Mestre em Ciência Política, ele ainda é Diretor Executivo do think tank Mapa Mundi.
Inicialmente, pensávamos em internacionalização como um movimento de intercâmbio de estudantes. Era algo mais simples: abrir espaço para que ele pudesse passar uma temporada em um outro país – e o foco era muito no acesso a conhecimentos específicos que esse país ou a universidade de lá pudesse oferecer. Com o passar do tempo, sobretudo na Europa e depois isso se espalhou pelo resto do mundo, percebemos que há a dimensão cultural também que é importante. Essa reflexão sobre imersão cultural é paralela à reflexão sobre as chamadas soft skills. Mais recentemente, temos tratado a internacionalização como uma experiência, mais holística. Buscamos perceber qual o perfil do estudante e fazer um cruzamento para entender qual a melhor experiência acadêmica e cultural. Não é apenas olhar a faculdade e o conteúdo que ela oferece. Pode haver uma metodologia de trabalho dessa instituição que pode não se adequar à nossa cultura – e isso entra no nosso radar. A internacionalização hoje é mais complexa, considera mais fatores e o conteúdo, que era o principal, perde importância relativa. Claro que é importantíssimo, mas não é mais o centro da decisão, como já foi lá atrás.
Muitas universidades têm apostado na internacionalização de forma contínua. Olhamos a vida do estudante pensando em quais são os momentos em que ele vai se expor à experiência internacional – e não só no período oficial de estudos. Na ESPM, não olhamos o estudante somente nos seus quatro anos da graduação – mas temos programas que são pensados no imediato pós-graduação. O que a gente poderia oferecer assim que ele se gradua, nesse momento em que ele busca, nesse momento de se expor a outros tipos de experiência? No longo prazo, a pessoa que investe na ideia de ser um eterno estudante tem a vantagem de entender que o mundo vai te oferecer momentos e experiências adequados a cada momento de sua carreira: em alguns, é o conhecimento que vai sobressair – noutros, vai surgir o aumento da autonomia. Há momentos em que a relevância pode estar na comunicação ou na formação de redes de contatos. E isso segue até no momento em que entram em cena questões de liderança, numa fase avançada da vida profissional. Experiências internacionais precisam dar conta dessa diversidade de aspectos.
Talvez o que mais se encaixe como um exemplo, e que tangibiliza um pouco do que falei na resposta anterior, é nossa parceria com a IÉSEG School of Management, que fica na França, na qual nosso estudante, assim que acaba a graduação, pode ingressar diretamente no mestrado. Em um ano, e não em dois, como normalmente ocorre aqui, ele consegue a titulação de mestre. Isso só é possível por ser tudo coligado: um continuum entre nossa graduação e o programa deles.
A grande questão é que o estudante precisa enxergar essa experiência internacional como uma soma de coisas: não só olhar a faculdade, o curso que vai fazer, a cidade para onde vai: é preciso olhar a soma de tudo. Há ofertas de muitas faculdades e cursos de qualidade duvidosa mundo afora. É importante checar a qualidade da instituição – o que dá para checar nos vários rankings internacionais com recortes por universidade e até por curso. A segunda coisa é perguntar para professores e para profissionais quais são os cursos ou universidades de referência. Há casos em que boas universidades não aparecem em rankings mas que são muito boas e até reconhecidas pelo mercado.
Em termos de impacto na carreira, cada vez mais as empresas percebem que a experiência internacional agrega muito mais que o conteúdo. Um diferencial muito importante é a questão do tempo. Há cursos desde muito curtos, intensivos, de alguns dias ou até duas semanas, que são focados no conhecimento, ensinar a fazer algo muito específico. Já os mais longos, de seis meses ou até um ano, há a questão do conhecimento também, mas trazem a reboque a possibilidade de experiências e vivências internacionais. As empresas buscam cada vez mais esse segundo tipo, pois a vivência força o estudante a desenvolver ferramentas das chamadas soft skills. Sua capacidade de lidar com a diferença, com o incerto, desenvolve a capacidade de comunicação, força a pensar e responder aos desafios de forma mais complexa e diria até mais completa. E as empresas, cada vez mais, para cargos de liderança, buscam profissionais com essas capacidades aprendidas numa experiência internacional e que você consegue aplicar em situações como, por exemplo, lidar com equipes diversas, com perfis e tipos de engajamento e formas de trabalho muito diferentes.
As empresas já perceberam claramente a relevância das experiências internacionais. Especialmente as multinacionais, no caso brasileiro, pois elas lidam com a questão da internacionalização na sua própria natureza. Mas não é somente por isso, ou da necessidade de operar em vários mercados. Já perceberam a relevância do desenvolvimento das competências que resultam das suas experiências internacionais fazem a diferença: lidar com o diverso, de ter iniciativa, de saber responder a uma complexidade cultural diferente. E, principalmente, a sua capacidade de autopercepção. Quando temos uma vivencia internacional mais longa, de pelo menos seis meses, muitas coisas que você trataria como “normal”, pois “é assim”, você descobre que não é assim: a cultura na qual você foi criado normalizou aquilo, tornou aquele comportamento aceitável e percebe que não, isso foi uma construção social. Isso é bem relevante para as empresas. Isso é mais claro nas carreiras ligadas à gestão, que podemos perceber fortemente tanto nos descritivos das vagas de emprego quanto muitas vezes nas conferências internacionais e processos de acreditação.
Áreas correlatas à gestão começam a se sensibilizar com isso, como a própria área da comunicação, na qual se discute a relevância de uma comunicação mais abrangente, pois as empresas têm cada vez mais presença e agendas globais. Na área da comunicação trata-se de um fenômeno mais recente, mas é perceptível o aumento da pressão pelo aumento da internacionalização. As áreas que talvez estejam mais distantes dessa reflexão são aquelas em que o conhecimento específico e técnico é muito relevante ainda. Como nas biológicas, em que a reflexão em torno do tema internacionalização está mais no acesso do conhecimento do que propriamente no desenvolvimento de outras habilidades além da cognitiva mais pura. Sentimos diferenças em termos de demandas. Vemos isso nos descritivos de vagas, nem tanto nas iniciais, mas de média gerência para cima: quanto mais técnica for a vaga, menor a relevância da internacionalização como um projeto mais amplo. Já quanto mais nos aproximamos das áreas de gestão e comunicação, é nítido o aumento da relevância da internacionalização.
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