O publicitário Fábio Mariano Borges é mestre em Ciências Sociais e Antropologia. Há 30 anos atua com pesquisas de mercado. A partir de um estudo sobre os hábitos de consumo dos gays no Brasil, que realizou em 1999 e atualizou quatro vezes, passou a ser visto no mercado como um especialista em diversidade.
Em 2019 foi convidado como professor-visitante da Universidade de Notthingham, na Inglaterra, para lecionar uma disciplina sobre o tema. Também é professor de Diversidade nas Organizações em cursos de mestrado da ESPM em São Paulo e atua como palestrante, consultor e desenvolvedor de projetos inclusivos em empresas, além de dirigir a inSearch Tendências e Estudos de Mercado.
Com tanta expertise, Borges afirma com segurança que o sucesso da abertura de espaço para a diversidade nas empresas está diretamente relacionado à mudança de postura de pessoas que foram criadas olhando a diversidade como algo fora dos padrões e principalmente do CEO, que é quem imprime e mantém o DNA de uma empresa. Nesta entrevista, ele disseca o tema mostrando, inclusive, a necessidade de as organizações criarem produtos voltados à diversidade, o que vai muito além dos cosméticos para mulheres negras.
De maneira geral, entendem que pensar em diversidade é colocar em alguns dos aspectos do negócio a presença de PCDs (pessoas com deficiência), pretos, mulheres, integrantes do grupo LGBTQIA+ e ex-cárceres. A realidade é que elas ainda tratam esse tema de uma forma simples, que chega a esvaziar e quase levar a um grande equívoco de mentalidade e de tratamento das questões da diversidade. Não significa que façam isso apenas por marketing. Aliás, é raro ver uma organização lidando com o tema só por isso, até porque, aprovar ações que envolvam diversidade dentro das empresas é um problema.
Não fomos educados para conviver com os diferentes e no Brasil não temos espaço para essa convivência. Quando chega essa temática na empresa, o primeiro grande temor é “se eu faço algo que vai prestigiar os pretos, posso perder o meu público“. Eu sempre ouvi coisas do tipo “preto não é meu público ou LGTB não é o meu público“. Existem gestores que não foram educados para conviver com os diferentes e não entendem que lidar com o porteiro ou com a faxineira é diversidade. E quando isso chega de modo mais consistente numa empresa, há gestores insensíveis à causa e despreparados que têm medo de perder clientes. São racistas, misóginos e homofóbicos porque vêm da elite.
Sim, porque há uma miopia de como o gestor enxerga a empresa e o consumidor. Vi muita empresa hesitando em tomar decisões, dizendo que não é ativista disso ou daquilo e no Brasil é muito forte o mito da neutralidade, que pode ser exercida em vários aspetos. Se por exemplo as corporações tivessem uma participação significativa de gestores pretos, essas pessoas levariam sua essência e vivência para o trabalho e haveria uma noção melhor das diferenças que precisam ser trabalhadas. O que se vê são líderes que fingem que entendem do Brasil, mas a maioria circula em circuitos privilegiados.
As mulheres passaram a atuar mais ativamente no mercado de trabalho nos anos 1970, 80 e 90 e foram três décadas de masculinização do feminino. Muitas reforçaram que eram mais machos que os homens, e isso criou gestoras que negaram que haviam diferenças porque elas eram mulheres e deixaram a feminilidade de lado. Hoje isso está mudando, mas existe, sim, o mansplaning e o manterrupting. Precisamos construir uma cultura na qual a mulher esteja devidamente incluída em um ambiente de total segurança e onde possa se sentir ela própria. A mudança tem de começar, por exemplo, na entrevista de emprego, que deveria abolir o questionamento se a candidata tem ou não filhos, ou se pretende engravidar. Ou então incluir essa pergunta na entrevista com um homem, porque ninguém pergunta se ele tem filhos, mas se ele tem é ótimo. Porque construiu família e tem responsabilidade, já que é um provedor e tem de pagar o estudo dos filhos.
A primeira vantagem é que a empresa responde aos valores e pautas que anunciam as tendências para este século, e é importante ficar claro que tendência não é modismo. É uma ruptura no nosso modo de pensar e que vai amadurecer, se estabelecer e permanecer. Desde o final dos anos 1990, empresas preocupadas em antecipar tendências se depararam com a diversidade, isso humaniza a marca, a aproxima e a conecta com as pessoas, mostrando o quanto a empresa participa do cotidiano das pessoas. Quem aposta em diversidade e sabe potencializar isso em geral é mais inovador, porque olhares diferentes aceleram e otimizam recursos de inovação. Aqui eu destaco que a contribuição é mais rica porque as pessoas são diversas na empresa. Existem pesquisas que mostram que as organizações com diversidade de funcionários têm faturamento maior.
A diversidade é um tema complexo e as empresas erram ao tratá-la como papo de botequim. São várias camadas para resolver. Um processo seletivo, por exemplo, deveria considerar que um candidato que veio das minorias não teve oportunidade de estudar inglês e isso deveria ser levado em conta. Numa avaliação de candidatos negros não é ideal ter um monte de brancos entrevistando as pessoas, porque de maneira geral elas já têm uma autoestima baixa devido ao racismo e à sua condição social, e essas pessoas foram ensinadas desde cedo que o mundo não tem lugar para elas. O ambiente da empresa precisa ser assertivo, inclusive, no que se refere aos cuidados com a saúde mental, os colaboradores diferentes devem ser tratados de maneira diferente também.
Têm que promover cultura inclusiva lá dentro primeiro e isso e não se resume a um projeto de 10 anos, é para longo prazo e até para todo o sempre. Essa cultura vai dar conta de vários aspectos, desde assédio sexual e moral até o capacitismo para o PDC, para não se achar que ele só pode fazer coisas banais como ser ascensorista. As pessoas carregam hábitos e comportamentos totalmente antidiversidade. Deve-se pensar em ajuste e equiparação salarial, em promover ações para a sociedade, como apoiar casas de abrigo para a comunidade LGBTQIA+. Nesse sentido, uma consultoria pode ajudar a eleger as prioridades junto aos gestores, mas essa mudança tem que começar pelo CEO. Ele tem que entender a importância disso. Se o CEO não estiver envolvido, não vai dar certo.