Você já se perguntou que trilha do futuro profissional vai seguir? A pergunta faz sentido já que as carreiras não são mais lineares como no passado e os agentes dessa mudança são as transformações do mercado e da sociedade, cada vez mais rápidas e profundas. Remodelações de mercado sempre aconteceram, mas a diferença é que em gerações anteriores o impacto era menor ao longo da vida de uma pessoa, e também porque a expectativa de vida e da sua permanência no trabalho eram menores.
“Essa necessidade de o profissional se transformar era menos percebida e hoje os profissionais têm uma tendência a ficarem obsoletos muito rápido”, afirma Caio Bianchi, diretor acadêmico de Educação Continuada da ESPM. “Por mais duro que seja é exatamente essa obsolescência programada que acaba acontecendo”.
Existem carreiras em que essa realidade é menos perceptível, porque geralmente são aquelas onde existe muita regulamentação e isso lentifica o processo de transformação. Direito e Medicina são exemplos clássicos em que as mudanças demoram mais a acontecer. Por outro lado, a área de Comunicação está sempre se renovando. A cada nova rede social surge uma enxurrada de necessidades que demandam profissionais atualizados. Portanto, a adaptação varia conforme a área de trabalho.
Cada vez mais o mercado precisa de profissionais que acompanham o espírito do tempo. São pessoas que observam o que está acontecendo e se atualizam constantemente para fazer as entregas que as corporações necessitam. Isso atinge quem está contratado e quem trabalha na execução de projetos, modalidade que vem substituindo o emprego formal.
“Quando a gente fala que a empresa demanda um profissional com tal perfil, é importante ter clareza de onde vem essa demanda, porque ela não surge no vácuo”. Tudo parte do mesmo fenômeno. O mercado é uma manifestação da sociedade e as mudanças de comportamento geram novas necessidades para as corporações continuarem atendendo o consumidor.
Se pensarmos nas enchentes que ocorreram no Rio Grande do Sul, percebe-se que de eventos como esse surgem os refugiados climáticos e serão necessárias corporações e profissionais preparados para trabalharem com essa realidade. O fato é que a sociedade e o mercado já deveriam estar preparados para acolher esses cidadãos, mas achava-se que esse tipo de situação aconteceria no futuro, só que ele está cada vez mais próximo. “Pensar no futuro é como falar de planejamento estratégico de empresa. Hoje se fala em planejamentos de no máximo cinco anos”.
No meio disso, surgem muitas variáveis na transformação do mercado e as novidades são mais imprevisíveis. Bianchi cita como exemplo a inteligência artificial, que é completamente imprevisível. Segundo ele, fazer qualquer tipo de previsão para daqui cinco anos sobre a inteligência artificial é futurologia, não é ciência. Mas pensar no ano que vem é sair do lugar do determinismo e se aproximar da precaução. “Aí eu acho que é super funciona falar sobre futuro”.
Já que a transformação é um fenômeno que depende do coletivo, o profissional que não quer perder espaço deveria ser proativo e buscar entender quais são as tendências e como elas podem impactar a sociedade. No mundo atual, cada vez mais baseado no uso da IA, ser proativo significa, por exemplo, testar as possibilidades dessa ferramenta. “É brincar com ela, fazer uma pergunta, aprender como funciona. Isso é ser proativo”.
No momento em que uma nova competência se torna requerimento, quem testou as possibilidades da IA antes de ela se popularizar no trabalho já está adiantado em 80% do caminho. Ser proativo é começar a aprender sobre algo ou desenvolver uma competência antes de ela se tornar requisito obrigatório. O risco de ficar para traz ocorre quando a pessoa é reativa e ignora o que está acontecendo, e no momento em que essa habilidade é oficializada, quem não se atualizou é pego de surpresa.
O profissional antenado deve observar o mercado e a sociedade, se informar e seguir as pessoas certas nas redes sociais, especialmente no Linkedin – executivos e formadores de opinião da sua área e de áreas correlatas –, para entender os movimentos do mercado. Também vale se inteirar sobre os temas que as instituições de ensino de ponta estão trazendo para novos cursos.
“Eu brinco que a jornada profissional é muito mais um labirinto do que uma escada. Porque a cada passo você encontra caminhos distintos que pode seguir. Você vai escolher um caminho, avançar nele e vão aparecer outros caminhos distintos. Aí um ciclo acaba, você chega no limite desse labirinto e decide ir por outro caminho”, exemplifica o professor. É como se cada profissional estivesse construindo o seu labirinto ao longo da vida e as instituições de ensino funcionassem como uma bússola, porque elas estão muito antenadas.
As universidades norteiam o conhecimento que as pessoas precisam adquirir para se manterem no mercado. Bianchi explica que a maioria dos temas dos cursos de extensão da ESPM surgem a partir das altas lideranças do mercado. “Me falam assim: ‘seria meu sonho que todos meus colaboradores tivessem essa competência desenvolvida, porque eu sinto muita falta disso no dia a dia’. É essa informação que vira curso”. Portanto, o portfólio de uma boa faculdade reflete o que o mercado está precisando.
“Existem dois conceitos, o upskilling e o reskilling, que estão dentro do grande guarda-chuva de lifelong learning ou o aprendizado ao longo da vida. Eles se encaixam nessa visão de entender quais são as competências que eu preciso aprofundar e quais eu preciso fazer uma revisão”, explica Bianchi.
Isso desenha uma trilha profissional diferente da visão antiga, de que a construção de uma carreira consistia em subir degraus de uma escala hierárquica. Antes o profissional se graduava e crescia na profissão. “Hoje isso não é verdade na maioria das profissões, porque há novas profissões surgindo constantemente e a tendência é que isso aconteça cada vez mais. E você tem seres humanos que vão ficar mais tempo (no mercado) enquanto profissionais”.
Atualmente, uma jornada profissional consiste em dois ou três ciclos de carreira e a tendência é que essa não linearidade seja cada vez mais o padrão. Porque se o ambiente vai mudando, a necessidade de atualização acompanha o mesmo ritmo.
Bianchi considera que existem quatro pontos para qualquer profissional se manter relevante ao longo da sua jornada.
Os profissionais precisam desenvolver a inteligência social. “Essa conclusão que o mercado chega, de que inteligência social é uma competência, não é um momento Eureka porque se não fosse isso a gente não chegaria aonde a gente tá”. Inteligência social é um elemento base da espécie humana e mesmo assim muitos profissionais não a veem como uma chave para o seu desenvolvimento.
As relações sociais e de trabalho sempre foram e sempre serão de humano para humano. Mesmo quando se pensa inteligência artificial é um ser humano treinando o modelo generativo e um ser humano usando. A inteligência social é uma parada obrigatória para todos os profissionais, não importa a área. Conforme as tecnologias vão avançando, as atividades que são substituíveis se tornam cada vez menos relevantes, mas a capacidade de interação social é insubstituível porque ela depende de seres humanos.
É uma característica do ser proativo e do profissional que ter humildade para entender que o que ele domina hoje provavelmente não vai ser suficiente amanhã. Portanto, a adaptação tem uma dose de autoconhecimento e de humildade, porque esse é o gatilho necessário para o profissional ser flexível.
Para exemplificar Bianchi fala sobre sua própria experiência como professor. “Estou fazendo uma orientação de TCC na pós-graduação e a turma é toda Geração Z e eles têm outro conjunto de comportamentos. E tenho turmas de TCC em que os quatro integrantes do grupo têm TDH. Então, enquanto profissional eu preciso me adaptar para garantir que o processo de aprendizagem, seja pelo comportamento geracional, seja pelas características neurológicas, seja eficaz”.
Em um cenário como o vivenciado pelo docente, os profissionais tem dois caminhos: aprender a lidar com uma coisa nova e ou continuar trabalhando do jeito de sempre e enfrentar as consequências. Nesse sentido, fazer um curso de especialização ou uma pós-graduação se encaixa perfeitamente na ideia de trilhar um caminho de atualização constante.
A autenticidade é uma temática que ganhou muita força por conta da inteligência artificial. À medida que muitas coisas vão sendo automatizadas e vão ficando parecidas, seja no que se refere a perfil profissional, a competência e mesmo sobre como profissional se posiciona publicamente, a autenticidade se torna mais importante porque é nesse ponto que o profissional se destaca.
Existem várias maneiras de materializar essa autenticidade e depende da área e do perfil da pessoa. Uma delas é pensar que hoje a temática de competências profissionais é vista a partir de três segmentações: competências técnicas específicas para uma função, competências humanas transversais às funções ou às áreas e as competências únicas.
O conceito das competências únicas é menos conhecido. Imagine um cenário com dois profissionais dotados de competências técnicas e humanas parecidas. O que cada um traz de único? Onde são diferentes um do outro? “Isso pode vir de “n” maneiras. Pode vir própria trajetória da pessoa e é o que marca sua autenticidade”, comenta Bianchi. Um professor que tenha feito teatro antes de ingressar na vida acadêmica pode usar sua habilidade de interpretação para dar aula, se destacando com essa competência única.
Biachi comenta que vem refletindo sobre a relação da ancestralidade dos profissionais com sua atuação no trabalho, porque ele tem percebido cada vez mais que histórias de vida específicas ou dos antepassados das pessoas estabelecem uma conexão com a vida atual e se refletem no empoderamento e na autenticidade dos profissionais.
“Vejo essa dimensão da ancestralidade, seja das origens, por exemplo africanas de um profissional, como um meio de empoderamento de entender as raízes de onde a pessoa vem. Qual foi a história dela? O que fez ela estar onde está e o que da história dela faz com que ela seja uma pessoa única? E aí a pessoa entende isso e incorpora no seu eu profissional.”