Um homem caminha pelas ruas enquanto uma câmera o monitora. Em questão de segundos, o dispositivo reconhece o seu rosto e acessa uma base de dados com suas informações pessoais, como nome, profissão e onde ele vive. Sem perceber que está sendo observado, o indivíduo entra em um banheiro público, lava o rosto e quando vai secar as mãos uma papeleira tecnológica (que também já sabe sua identidade) libera exatamente 60 centímetros de papel. Se precisar de mais, o sujeito terá que aguardar 9 minutos para que uma nova cota seja liberada para o seu perfil.
Parece o Big Brother, lembra o Show de Trumam, mas já é realidade na China, país líder no uso e desenvolvimento de tecnologia de reconhecimento facial. De acordo com a The Economist, a nação asiática já tem 170 milhões de câmeras de monitoramento, número que será ampliado para 570 milhões até 2021. A polícia do país já adotou até mesmo óculos tecnológicos que ajudam os oficiais a identificarem criminosos em tempo real.
Muito Black Mirror? Saiba que é apenas o começo. Startups chinesas, como a YITU, trabalham no desenvolvimento de algoritmos de reconhecimento facial para ler emoções – algo que garantem já ser possível. E um estudo da Universidade Stanford revelou que a inteligência artificial é capaz de descobrir se uma pessoa é gay ou não com 91% de precisão, analisando apenas fotos de rostos.
Reconhecimento facial no Brasil
No começo de 2019, um grupo de deputados brasileiros foi duramente criticado por viajar à China a convite do governo chinês. Segundo informações publicadas pela imprensa, os parlamentares foram conhecer o sistema de reconhecimento facial do país asiático. O que poucos sabiam é que essa tecnologia já estava sendo testada por aqui, em cidades como Campinas e Salvador. Graças a esse sistema, a Polícia de Salvador conseguiu prender um homem procurado por assassinato que se divertia em um bloquinho de carnaval. Nem mesmo uma peruca rosa impediu a identificação do criminoso.
A Hering, varejista e fabricante de artigos de vestuário, também instalou um sistema de reconhecimento facial em uma loja conceito no Shopping Morumbi, em São Paulo. Mas recebeu uma notificação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) com solicitação de esclarecimentos sobre coleta e tratamento de dados de clientes. De acordo com a EBC, o órgão está avaliando se há violações de direitos do consumidor e à privacidade das pessoas que frequentam a loja.
Até onde as marcas podem ir?
Para Mario Ernesto Rene Schweriner, coordenador do curso de graduação em Ciências Sociais e do Consumo da ESPM, a tecnologia de reconhecimento facial dará as empresas um mapeamento emocional inédito dos consumidores. “As emoções são expressas pela face. E o reconhecimento facial pode ler essas expressões. Se a pessoa estiver surpresa, por exemplo, é possível deduzir que ela achou algo caro, feio ou maravilhoso”, analisa Schweriner. “Você poderá, por exemplo, ter câmeras em shoppings que percebem que um consumidor olha a vitrine com a pupila dilatando [sinal de interesse] quando vê determinado produto”.
A grande questão é se essa vigilância dos consumidores por parte das empresas é algo ético ou não. Para o professor, é fundamental que as marcas peçam autorização as pessoas antes de registrá-las em seu banco de dados. Além disso, as companhias precisam se comprometer a não vender essas informações para outras empresas. “A ciência em si é fabulosa, o uso que se faze dela é que é péssimo, porque quem a manuseia é o ser humano”, diz Schweriner. “Então é preciso ter um comitê, um grupo que emana das ciências sociais e éticas, dizendo que aquilo deve ou não ser usado para determinado fim”.
O debate sobre invasão de privacidade por empresas e governos também é assunto nos Estados Unidos. O AI Now Institute, que estuda as aplicações sociais da inteligência artificial, recomendou em seu relatório anual de 2018 a regulamentação do reconhecimento facial para “proteger o interesse público”. Para o instituto, as regulações deveriam incluir leis nacionais que exijam supervisão intensa, transparência pública e imponham limitações ao uso dessa tecnologia. E mais: as pessoas deveriam até mesmo ter o direito de rejeitar a aplicação do reconhecimento facial em ambientes públicos e privados. “Meros avisos públicos do uso dessas tecnologias não são suficientes. Deveria haver um limiar alto para qualquer consentimento, dado os perigos da vigilância em massa opressiva e continua”, alerta o instituto norte-americano.
A cidade de São Francisco, na Califórnia (EUA), proibiu o uso de softwares de reconhecimento facial pela polícia e órgãos da administração municipal. Como mencionado anteriormente, a tecnologia vem sendo usada em algumas cidades para encontrar suspeitos de crimes. Outras cidades dos Estados Unidos também estão considerando a proibição.
Como funciona o reconhecimento facial?
1 – Uma câmera capta a imagem do rosto e a envia a um computador
2 – Um algoritmo analisa características, como a distância entre os olhos, o contorno da face e o tamanho do nariz e da boca
3 – O sistema cria uma identidade virtual para o indivíduo com base em suas características físicas
4 – Ao aparecer em uma câmera do sistema, mesmo que no meio de uma multidão, o indivíduo é identificado em questão de segundos, mesmo se estiver disfarçado
Onde mais é aplicado?
Enquanto governos parecem estar mais interessados em usar o reconhecimento facial para vigiar e controlar os cidadãos, startups trabalham em soluções que prometem facilitar as vidas das pessoas.
Confira a seguir algumas aplicações dessa tecnologia:
– Em caixas eletrônicos é possível sacar dinheiro sem utilizar o cartão
– Em aeroportos a tecnologia facilita o embarque com check-in sem a apresentação de documentos
– Em máquinas de snacks é possível comprar produtos sem dinheiro ou cartão
– Redes sociais como o Facebook utilizam o reconhecimento facial para tagear automaticamente pessoas em fotos
– É usado para desbloqueio de smartphones
– Em portarias de condomínios essa tecnologia é usada para controle de acesso
– Empresas de cartão de crédito estão utilizando o reconhecimento facial para autenticação de compras com selfies
– A área de marketing e publicidade pode usar a tecnologia para criar anúncios personalizados para cada consumidor